A explosão de Valdemar do Gás fez com que a popularidade do Spider ficasse um tanto quanto abalada. Sendo assim, procurei os serviços de um assessor de imprensa para cuidar da reparação da imagem do herói. Como não podia revelar minha identidade secreta, tive de fazer uma busca pela internet, pois só assim eu poderia encontrar alguém de relevo sem me expor. Encontrei um cara chamado Romualdo Panzilão, que dizia ser capaz de recuperar qualquer carreira em declínio, fazer qualquer um se tornar rei em popularidade, a ponto de tornar Hitler síndico de um condomínio formado por negros e judeus. Pensei na hora: “É esse!”.
Liguei para o assessor e marquei um encontro. Buscando privacidade, escolhi um local reservado para a reunião e, claro, fui como Spider. Na hora combinada, Panzilão chegou ao restaurante de comida chinesa, o Ma Fu A, um self-service você mesmo. Trajando um terno abacate, sutilmente combinando com uma gravata laranja (ilustrada com personagens da turma do Pernalonga), o profissional se apresentou e foi logo dizendo: “É, meu camarada, teremos um longo trabalho pela frente. A lambança foi grande e seu filme queimou geral!”. Achei a sinceridade um pouco inoportuna, mas resolvi dar um crédito. Perguntei qual seria o primeiro passo e ele me disse que eu deveria aparecer na mídia, e me aconselhou: Spider, tenho uma idéia que fará você recuperar sua credibilidade. Será uma bela oportunidade de mostrar que, apesar de tudo, você também é gente!”. Igualmente, não gostei do fim do comentário, porém decidi encarar e pedi que continuasse. “Tenho o programa ideal pra você ir” É o Samba Show!”. Surpreso, perguntei ao assessor: “Cara, alguém vê isso?”. Mostrando-se ofendido, Panzilão disparou: “É por isso que você tá nessa draga desgraçada. Não sabe nada! Samba Show é um programa do povo, e será uma forma de você provar o lado simples do herói!”. Depois da explanação convincente do meu assessor de imprensa, resolvi aceitar e topar o desafio.
Devidamente vestido de Spider, cheguei à emissora e fiquei aguardando ser chamado para o programa. Na sala de espera, que mais parecia um quarto de tão pequeno, estávamos eu, uma rapaziada com alguns instrumentos de percussão, uma loiraça, uma moça negra bem gorda que lembrava muito a cozinheira da pensão do Vasco, um cara metido a bonitão, um coroa com uma pinta de tarado; e um neguinho magrinho. Em um dado momento, uma mulher chegou correndo e gritou pra gente:”É pra entrar! É pra entrar! Entra logo, porra! Começamos a correr em direção a um corredor que daria no estúdio. Na ânsia de entrar primeiro, a loira boazuda deu em chega pra lá na gordona, que saiu catando cavaco até derrubar um câmera man e o equipamento (um paraíba que estava em um andaime segurando uns cabos veio junto). Refeito do susto que o fez zunir o microfone e se jogar na platéia (12 pessoas), o apresentador, um tal de Jabbá, ajudou a gorda a se levantar e a apresentou ao público: “Quero palmas pra dona Orlandina de Morais, um baluarte do nosso samba!” Após ajeitar a saia, que subiu até o pescoço (a lamentável visão me perseguiu durante meses), a veterana sambista sentou-se à mesa que estava preparada para receber também os demais convidados. Aos poucos, fomos apresentados e nos acomodando. A loira era Rita Cavanhaque, modelo e a atriz que aguardava convite para um novo trabalho (o último tinha sido o pornô “A Princesa e o Jumento”); o bonitão era Roberto Abílio, galã da Rede Vida (protagonista das novelas Tormenta de Uma Paixão e Diário de um Corno); o velho era o doutor Felipe Nistorto, autor do premiado livro de bolso Posições Sexuais para Anões; enquanto o filé de borboleta era o MC Ferrô, autor do funk da Mulher Banana. Como a mesa só tinha lugar pra seis, o grupo de pagode Suvaco do Tigre ficou em pé, ao lado do bar.
Bem, é importante ressaltar que o ar condicionado estava quebrado e o calor naquele lugar era infernal. Com o samba rolando solto, o programa seguia. Nós, os convidados, éramos servidos por um garçom, que a todo instante nos trazia salgadinhos e cerveja temperatura ambiente (o anunciante Cervatecatá doava os engradados). Tudo caminhava razoavelmente bem até eu ter a infeliz idéia de experimentar a empadinha. O Roberto Abílio ainda me avisou: “Vai não!” Sem dar atenção ao conselho, coloquei na boca o salgado e comecei a mastigar. Resolvi beber um gole da cerveja pra dar uma facilitada no processo. Depois de uns oito minutos tentando engolir, eu comecei a perder o ar. Foi aí que, inadvertidamente, o apresentador anunciou: “E aí Spider, e os projetos? Diz alguma coisa! Só se for agora!”. Neste instante, todas as câmeras se voltaram para mim à espera de uma resposta. Com a boca entupida e sem conseguir respirar, só me restou abraçar o apresentador e olhá-lo nos olhos. Felizmente, ele percebeu que eu não me encontrava muito bem e contornou a situação: “Bem, vejo que nosso herói está um pouco emocionado! Depois eu volto com você, Spider! Só se for agora!”.
Consegui me sentar e, ao bater a bunda na cadeira de ferro, consegui, com a ajuda do Senhor, engolir a maçaroca. Aliviado, avisei ao contra-regra que precisava ir ao banheiro lavar o rosto (minha máscara estava toda babada), e fui saindo de gatinho para que as câmeras não me filmassem. No entanto, não consegui me limpar, pois ao abrir a porta do banheiro dei de cara com a dona Orlandina sentada no vaso. Paralisado com a visão do inferno, ouvi a veterana sambista me confidenciar: “Exagerei nos cocrete!”.
Em estado de choque, voltei para o estúdio e sentei novamente à mesa. Sem alternativas, busquei me descontrair com o sambão que estava rolando. Ao olhar pro sexólogo, saquei que ele não parava de manjar as pernas de Rita Cavanhaque, que lutava ferozmente para tirar um osso de coxinha que insistia em permanecer entre os seus dentes. Aquilo me deu um arrepio e tentei me distrair comendo um rissole que sobrara no prato. Após finalizar o salgadinho, fiquei sem saber o que fazer com o caroço da azeitona. Neste instante, me lembrei da minha infância em Quissamanduca, época em que eu era o rei do peteleco. Então, não tive dúvidas: coloquei o caroço na mesa, preparei o dedo, mirei no corredor e mandei bala. Mas o tempo de criança passou e eu não era mais o mesmo. Sem a prática de antes, errei a direção e acertei em cheio a testa do apresentador. A porrada foi tão forte, que derrubou o cara. Ele se levantou com a ajuda das sambates (as mulatas que dançavam no programa) e, injuriado, bradou: “Porra, isso é sacanagem! Quem foi o safado?” Um silêncio tomou conta do local. Daí, um cara gritou: “Chama os comerciais!”. Durante as propagandas, Jabbá foi consolado por uma assessora e se acalmou um pouco. Com a marca da caroçada na testa, o apresentador retomou as rédeas do programa.
Mais relaxado, e meio calibrado pela Cervatecatá quente, fui entrando no clima e já estava me engraçando com uma das sambetes. Aí, Jabbá veio novamente: “Spider tá no clima! Agora, Valeska Jamelão vai fazer um show pra ele! Vem cá, minha deusa! Só se for agora!” E de trás das sambetes veio surgindo uma mulataça espetacular, de uns dois metros de altura. Ela veio gingando e me manjando. Chegou na minha frente, virou de costas e começou a rebolar freneticamente. Hipnotizado pela buzanfa descomunal, tive de me segurar na mesa para não cair (a roupa colada tava entregando meu estado). Nessa hora, o MC Ferrô mandou: “Tá dando bandeira, Spider! Vai que é tua, Taffarel!” Foi aí que Valeskão virou de frente e abriu os braços. O que aconteceu a seguir foi indescritível. Sem que eu pudesse esperar, o doutor Felipe colocou um dos seus pés na minha bunda e me empurrou em direção da mulata. A moça, que estava sambando direto a umas três horas, chegava a brilhar (me lembro de ter visto meu reflexo na barriga dela), ampliou o sorriso e sussurrou: “Vem, garoto!”. A última cena que me lembro foi do momento exato em que ela me abraçou. Como ela era bem mais alta que eu, meu rosto foi direto para perto de um dos seios e o nariz acabou colado na axila direita. Eu me recordo bem que, neste instante, me veio à mente o nome do grupo de pagode. Essas foram as últimas lembranças do Samba Show. Quando recobrei os sentidos, estava tomando soro em um posto de saúde. Meu assessor me disse que, após meu desmaio, dois seguranças entraram em cena e me arrastaram para um depósito, que eles chamavam de camarim. Como eu não dizia coisa com coisa, Panzilão achou por bem me levar a um hospital. Felizmente, o soro fez efeito rápido (em pouco mais de dez horas eu já tinha voltado à vida) e pude retornar pra casa. Sinceramente, nem me preocupava mais com minha imagem. O que importava pra mim e que, mais uma vez, eu vencera novo perigo e estava vivo.
domingo, 17 de agosto de 2008
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Capítulo 20: Nota Triste de uma Trajetória Gloriosa
Nem só de momentos vitoriosos é ilustrada a história de um super-herói. Algumas vezes, a coragem desmedida e a vontade de salvar uma pessoa indefesa não são suficientes para o sucesso de uma missão. Como estou relatando momentos marcantes da minha história, chegou a hora de, com pesar, revelar-lhes um episódio lamentável, que marcou por longo tempo as vidas da população de Santa Cruz.
Em uma bela tarde de domingo, quando as ruas do bairro estavam repletas em função do estonteante sol que cobria toda a zona oeste carioca, estava eu solitário em meus aposentos na pensão do Vasco jogando par ou ímpar (treinava para uma eventualidade) quando Manuel Stalone, o segurança da rua, entrou na recepção aos berros: “Meu Deus, o Valdemar subiu! O Valdemar subiu!”. Sem ter idéia do que se passava, me preparei para descer correndo as escadas (na pressa de chegar, pisei em um carrinho de brinquedo que estava próximo ao primeiro degrau e saí rolando até onde estava a rapaziada) e me encontrei com o pessoal, que se assustou um pouco com o esporro de quando derrubei a mesa do porteiro (ele foi parar abraçado comigo no chão). Após ajudar Severino a encontrar os óculos (voaram longe após o impacto), fiquei sabendo do que se passava com Valdemar do Gás, um português que há muito tempo morava na área e, desde sua adolescência, sofria com uma infernal prisão de ventre. Sua amada esposa, dona Emengarda Quitéria, revelara que o marido vivia um verdadeiro inferno (o pobre não soltava um mísero punzinho havia mais de 15 anos). Então, o acúmulo de gases nas entranhas fez a barriga do patrício inchar tanto que ele decolou feito um balão de festa infantil.
O desespero tomou conta de todos, preocupados com o paradeiro de Valdemar. O prestimoso Stalone veio correndo avisar que o português, sagaz como ele só, conseguira se agarrar em uma parte da estátua de dom Juan González De La Pemba, colonizador peruano e primeiro habitante de Santa Cruz (o sobrenome do histórico personagem foi uma homenagem dos índios, que o rebatizaram após o verem nu pela primeira vez). Não há necessidade de revelar que, para evitar uma viagem indesejável a Júpter, Valdemar abraçou a genitália da réplica de dom Juan. O monumento (a estátua) ficava na praça, e uma verdadeira multidão acompanhava, apreensiva, o drama do imigrante luso. Ao imaginar a agonia daquele infeliz, subi rapidamente até meu quarto, vesti minha roupa de Spider e parti para o evento, quer dizer acontecimento. Ao chegar, fui recebido com aplausos pela população, que pedia para que eu salvasse o coitado.
Eu tinha de agir imediatamente, pois Valdemar, já sem forças, não conseguia mais manter aquela peça roliça entre as mãos, e gritava desesperadamente: “Ai, Jesus!. Comovido, imediatamente lancei minhas teias e parti feroz para o braço esquerdo da estátua. Minha ação teria de ser rápida e precisa, pois um movimento em falso faria Valdemar seguir rumo à Via Láctea. Joguei minha teia em direção ao chafariz do parquinho e, tal como o Tarzan, segui de encontro ao português. Consegui agarrá-lo e, com muita técnica, coloquei-o deitado no chão, de barriga para cima.
Antes que o povo chegasse para me aclamar, prendi o galego no banco da praça e saltei rumo à marquise do prédio mais próximo a fim de que eu pudesse me retirar do local em grande estilo. Porém foi aí, meus amigos, que se deu a tragédia, inesquecível para a população de Santa Cruz. Ao voar para a glória, eu nem imaginava o que o destino me reservara: o buraquinho que ejeta teias entupiu e eu despenquei de uma altura de doze andares. Meus olhos tiveram poucos instantes para observar que o impacto seria justamente contra a barriga gigante de Valdemar do Gás. O que ocorreu a seguir foi uma desgraça tamanha, que ainda me emociono até hoje. Ao me chocar com aquele tonel, uma explosão ecoou por toda a região (deu no Jornal Nacional que o barulho foi ouvido no norte de Goiás). Os gases acumulados durante anos na barriga do português escaparam naquele momento. Era gente correndo pra todos os lados. Homens, mulheres, crianças, velhos, todos procuravam, em vão, se proteger do peido atômico disparado pelo coitado (até Gumercindo Piquet, um pedinte que só andava por meio de uma cadeira de rodas, largou seu meio de transporte e partiu correndo rumo ao desconhecido).
Santa Cruz só voltou ao normal seis meses depois, quando começou a fazer efeito a composição química lançada pela força conjunta, formada pelos bravos bombeiros da Defesa Civil e os integrantes da SWAT, que interditaram a zona oeste do Rio até que a combinação de amônia/creolina/água sanitária/criptonita substituísse o futum desgraçado que tomou conta da Cidade Maravilhosa.
É importante ressaltar que aquela foi a última vez em que o Spider agiu no bairro, pois a população, ressentida com o episódio, queria linchar o glorioso herói que, vítima do destino, acabou sendo o responsável por toda aquela desgraça.
Em uma bela tarde de domingo, quando as ruas do bairro estavam repletas em função do estonteante sol que cobria toda a zona oeste carioca, estava eu solitário em meus aposentos na pensão do Vasco jogando par ou ímpar (treinava para uma eventualidade) quando Manuel Stalone, o segurança da rua, entrou na recepção aos berros: “Meu Deus, o Valdemar subiu! O Valdemar subiu!”. Sem ter idéia do que se passava, me preparei para descer correndo as escadas (na pressa de chegar, pisei em um carrinho de brinquedo que estava próximo ao primeiro degrau e saí rolando até onde estava a rapaziada) e me encontrei com o pessoal, que se assustou um pouco com o esporro de quando derrubei a mesa do porteiro (ele foi parar abraçado comigo no chão). Após ajudar Severino a encontrar os óculos (voaram longe após o impacto), fiquei sabendo do que se passava com Valdemar do Gás, um português que há muito tempo morava na área e, desde sua adolescência, sofria com uma infernal prisão de ventre. Sua amada esposa, dona Emengarda Quitéria, revelara que o marido vivia um verdadeiro inferno (o pobre não soltava um mísero punzinho havia mais de 15 anos). Então, o acúmulo de gases nas entranhas fez a barriga do patrício inchar tanto que ele decolou feito um balão de festa infantil.
O desespero tomou conta de todos, preocupados com o paradeiro de Valdemar. O prestimoso Stalone veio correndo avisar que o português, sagaz como ele só, conseguira se agarrar em uma parte da estátua de dom Juan González De La Pemba, colonizador peruano e primeiro habitante de Santa Cruz (o sobrenome do histórico personagem foi uma homenagem dos índios, que o rebatizaram após o verem nu pela primeira vez). Não há necessidade de revelar que, para evitar uma viagem indesejável a Júpter, Valdemar abraçou a genitália da réplica de dom Juan. O monumento (a estátua) ficava na praça, e uma verdadeira multidão acompanhava, apreensiva, o drama do imigrante luso. Ao imaginar a agonia daquele infeliz, subi rapidamente até meu quarto, vesti minha roupa de Spider e parti para o evento, quer dizer acontecimento. Ao chegar, fui recebido com aplausos pela população, que pedia para que eu salvasse o coitado.
Eu tinha de agir imediatamente, pois Valdemar, já sem forças, não conseguia mais manter aquela peça roliça entre as mãos, e gritava desesperadamente: “Ai, Jesus!. Comovido, imediatamente lancei minhas teias e parti feroz para o braço esquerdo da estátua. Minha ação teria de ser rápida e precisa, pois um movimento em falso faria Valdemar seguir rumo à Via Láctea. Joguei minha teia em direção ao chafariz do parquinho e, tal como o Tarzan, segui de encontro ao português. Consegui agarrá-lo e, com muita técnica, coloquei-o deitado no chão, de barriga para cima.
Antes que o povo chegasse para me aclamar, prendi o galego no banco da praça e saltei rumo à marquise do prédio mais próximo a fim de que eu pudesse me retirar do local em grande estilo. Porém foi aí, meus amigos, que se deu a tragédia, inesquecível para a população de Santa Cruz. Ao voar para a glória, eu nem imaginava o que o destino me reservara: o buraquinho que ejeta teias entupiu e eu despenquei de uma altura de doze andares. Meus olhos tiveram poucos instantes para observar que o impacto seria justamente contra a barriga gigante de Valdemar do Gás. O que ocorreu a seguir foi uma desgraça tamanha, que ainda me emociono até hoje. Ao me chocar com aquele tonel, uma explosão ecoou por toda a região (deu no Jornal Nacional que o barulho foi ouvido no norte de Goiás). Os gases acumulados durante anos na barriga do português escaparam naquele momento. Era gente correndo pra todos os lados. Homens, mulheres, crianças, velhos, todos procuravam, em vão, se proteger do peido atômico disparado pelo coitado (até Gumercindo Piquet, um pedinte que só andava por meio de uma cadeira de rodas, largou seu meio de transporte e partiu correndo rumo ao desconhecido).
Santa Cruz só voltou ao normal seis meses depois, quando começou a fazer efeito a composição química lançada pela força conjunta, formada pelos bravos bombeiros da Defesa Civil e os integrantes da SWAT, que interditaram a zona oeste do Rio até que a combinação de amônia/creolina/água sanitária/criptonita substituísse o futum desgraçado que tomou conta da Cidade Maravilhosa.
É importante ressaltar que aquela foi a última vez em que o Spider agiu no bairro, pois a população, ressentida com o episódio, queria linchar o glorioso herói que, vítima do destino, acabou sendo o responsável por toda aquela desgraça.
terça-feira, 15 de julho de 2008
Capítulo 19: Duelo de Titãs
Em minha heróica saga como super-herói destemido, enfrentei vários rivais perigosos e implacáveis. Por isso, hoje resolvi contar um momento especial, que me forçou a demonstrar toda a coragem que levo dentro de mim a fim de cumprir, mesmo com todas as adversidades, uma missão quase impossível: sobreviver.
Numa bela noite de outono, estava solitário em meu quarto na pensão do Vasco quando ouvi gritos histéricos vindo do prédio da frente. Imediatamente, me dirigi à janela e, para minha surpresa, vi que o desespero partia do apartamento de uma morena espetacular que embalava meus sonhos na época (toda vez em que ela ia trocar de roupa eu me escondia atrás da cortina e só manjava ela pelada). Com uma vassoura nas mãos, a bela moça gritava: “Ai, meu Deus! Sai, sai daqui!”. Depois de ver aquela cena, imediatamente coloquei minha clássica roupa e, resoluto, parti em direção ao local para evitar que minha deusa fosse agredida pelo ladrão ou até mesmo estuprada pelo malfeitor. Com minha habitual velocidade, invadi a janela da residência da morenaça indefesa. A recepção, no entanto, não foi a que eu imaginava. Levei uma vassourada nos córneos que quase me fez despencar do sétimo andar. Ainda meio tonto com a porrada, vi a gatinha deixar correndo o apartamento e trancar a porta, gritando feito uma doida pelo corredor.
Rapidamente (dentro do possível, porque ainda estava meio grogue), me coloquei em posição de defesa aguardando o ataque do bandido. No entanto, percebi que não havia ninguém naquele quarto. Ledo engano. Sem entender bem o que estava ocorrendo, caminhei lentamente pelo local a fim de desvendar a causa de tanto desespero daquela morena fantástica. Até que, finalmente, avistei, encostado ao rodapé, o motivo de tamanho terror: uma barata. Quer dizer, um animal que nasceu como uma barata e se transformou em um ser descomunal. Confesso que aquela visão provocou um grito da minha parte. É importante ressaltar que aranhas e baratas não são propriamente espécimes amigas, portanto um clima de tensão tomou conta daquele recinto. Tenho que admitir que, por alguns segundos, fiquei paralisado e completamente arrepiado. Não pensem que se trata de algum tipo de medo; é puro respeito. O animal, que mais parecia um chinelo marrom, me olhava fixamente. Em uma reação rápida, busquei uma saída estratégica, mas esbarrei na porta trancada. Pensei em sair pela janela, mas lembrei que aquele animal poderia aterrorizar a população do planeta. Fazendo-me valer de minha coragem incontestável, resolvi enfrentar o monstro que permanecia estático no canto do quarto. Decidi me precaver e busquei a vassoura a qual fui apresentado logo em minha entrada. Encontrei metade dela (a outra parte voou pela janela). Com a agilidade de um ninja, peguei o pedaço que avistei (para minha sorte, o que tinha a piaçava) e me posicionei diante do animal, evidentemente a uma distância segura. Olhando no olho do bicho, armei-me em posição de ataque. Neste instante, ouvi o rosnado daquela criatura. O arrepio tomou conta de meu corpo novamente e, antes que eu pudesse colocar em prática a estratégia, a barata decolou em minha direção. Pego de surpresa, joguei o cotoco de vassoura pro alto e me atirei no chão, Senti aquele troço passar rente à minha cabeça, sobrevoando o local. Parecia um boing 747. A criatura grudou na parede, como se fosse um quadro de bronze. Procurei o que restava da vassoura e não avistei. Ainda deitado e meio me fingindo de morto (uma técnica milenar que utilizo em alguns momentos críticos), procurei encontrar algo que pudesse me auxiliar naquele embate. O ideal seria um lança-chamas ou um morteiro, mas o que encontrei mais próximo de mim foi um jarro de flores (tinha a cama, mas achei que estava meio longe). Rastejando lentamente pelo chão, aproximei-me do jarro e, com uma velocidade espantosa, arremessei o objeto na direção do terrível animal. O que se seguiu foi inacreditável: a barata se empinou, matou o jarro nos peitos e emendou de volta. A reação daquele bicho traiçoeiro me surpreendeu tanto que não tive tempo de me proteger. A última visão que tive do jarro foi a cerca de uns dois dedos da minha cara. Confesso que não ouvi o barulho, mas os cacos daquele negócio ficaram dias grudados na minha máscara (com o impacto inevitável, engoli um dos caninos).
Após o contragolpe daquele animal medonho, não tive dúvidas: a coisa era realmente séria. Lentamente, a barata gigante foi descendo. O barulho das patas arrastando pela parede me fez pensar em abandonar de vez o local, mas eu não poderia deixar a humanidade ficar à mercê daquela criatura. De repente, ouvi um barulho no trinco da porta. Senti que aquele poderia ser um momento importante, como a chegada de um aliado, e gritei: Abre logo, porra! Lá de fora veio o diálogo: “Desculpe, dona Solange, mas além da barata tem mais alguém lá dentro?, perguntou uma voz com sotaque nordestino. “Claro que não, Severino! Entra logo aí e mata a danada!”, foi a resposta. Neste instante, me aproximei da maçaneta para dar uma ajuda ao moço, porém, quando estava em frente à porta, a mesma se abriu. Mal tive tempo de abrir a boca: fui ganhando vassourada de tudo que era jeito. O povo gritava: “Mata! Mata!”. Uma velha berrou: A bicha é vermelha! Pau nela!”. Fui levando porrada de tudo que era jeito até eu despencar pela janela. A queda foi rápida, coisa de dois segundos. Pra minha sorte, bati num toldo (que veio junto) e numa árvore (o que amorteceu o estabaco), até cair em cima da barraca de um gordão que vendia pamonha. Meio avariado, tentava me levantar quando ouvi aquela velha safada gritar: “A barata ainda está se mexendo! Taca fogo! Foi aí que, retirando forças nem sei de onde, me levantei e, mesmo todo arrebentado, saí correndo, ferido, porém vivo.
Numa bela noite de outono, estava solitário em meu quarto na pensão do Vasco quando ouvi gritos histéricos vindo do prédio da frente. Imediatamente, me dirigi à janela e, para minha surpresa, vi que o desespero partia do apartamento de uma morena espetacular que embalava meus sonhos na época (toda vez em que ela ia trocar de roupa eu me escondia atrás da cortina e só manjava ela pelada). Com uma vassoura nas mãos, a bela moça gritava: “Ai, meu Deus! Sai, sai daqui!”. Depois de ver aquela cena, imediatamente coloquei minha clássica roupa e, resoluto, parti em direção ao local para evitar que minha deusa fosse agredida pelo ladrão ou até mesmo estuprada pelo malfeitor. Com minha habitual velocidade, invadi a janela da residência da morenaça indefesa. A recepção, no entanto, não foi a que eu imaginava. Levei uma vassourada nos córneos que quase me fez despencar do sétimo andar. Ainda meio tonto com a porrada, vi a gatinha deixar correndo o apartamento e trancar a porta, gritando feito uma doida pelo corredor.
Rapidamente (dentro do possível, porque ainda estava meio grogue), me coloquei em posição de defesa aguardando o ataque do bandido. No entanto, percebi que não havia ninguém naquele quarto. Ledo engano. Sem entender bem o que estava ocorrendo, caminhei lentamente pelo local a fim de desvendar a causa de tanto desespero daquela morena fantástica. Até que, finalmente, avistei, encostado ao rodapé, o motivo de tamanho terror: uma barata. Quer dizer, um animal que nasceu como uma barata e se transformou em um ser descomunal. Confesso que aquela visão provocou um grito da minha parte. É importante ressaltar que aranhas e baratas não são propriamente espécimes amigas, portanto um clima de tensão tomou conta daquele recinto. Tenho que admitir que, por alguns segundos, fiquei paralisado e completamente arrepiado. Não pensem que se trata de algum tipo de medo; é puro respeito. O animal, que mais parecia um chinelo marrom, me olhava fixamente. Em uma reação rápida, busquei uma saída estratégica, mas esbarrei na porta trancada. Pensei em sair pela janela, mas lembrei que aquele animal poderia aterrorizar a população do planeta. Fazendo-me valer de minha coragem incontestável, resolvi enfrentar o monstro que permanecia estático no canto do quarto. Decidi me precaver e busquei a vassoura a qual fui apresentado logo em minha entrada. Encontrei metade dela (a outra parte voou pela janela). Com a agilidade de um ninja, peguei o pedaço que avistei (para minha sorte, o que tinha a piaçava) e me posicionei diante do animal, evidentemente a uma distância segura. Olhando no olho do bicho, armei-me em posição de ataque. Neste instante, ouvi o rosnado daquela criatura. O arrepio tomou conta de meu corpo novamente e, antes que eu pudesse colocar em prática a estratégia, a barata decolou em minha direção. Pego de surpresa, joguei o cotoco de vassoura pro alto e me atirei no chão, Senti aquele troço passar rente à minha cabeça, sobrevoando o local. Parecia um boing 747. A criatura grudou na parede, como se fosse um quadro de bronze. Procurei o que restava da vassoura e não avistei. Ainda deitado e meio me fingindo de morto (uma técnica milenar que utilizo em alguns momentos críticos), procurei encontrar algo que pudesse me auxiliar naquele embate. O ideal seria um lança-chamas ou um morteiro, mas o que encontrei mais próximo de mim foi um jarro de flores (tinha a cama, mas achei que estava meio longe). Rastejando lentamente pelo chão, aproximei-me do jarro e, com uma velocidade espantosa, arremessei o objeto na direção do terrível animal. O que se seguiu foi inacreditável: a barata se empinou, matou o jarro nos peitos e emendou de volta. A reação daquele bicho traiçoeiro me surpreendeu tanto que não tive tempo de me proteger. A última visão que tive do jarro foi a cerca de uns dois dedos da minha cara. Confesso que não ouvi o barulho, mas os cacos daquele negócio ficaram dias grudados na minha máscara (com o impacto inevitável, engoli um dos caninos).
Após o contragolpe daquele animal medonho, não tive dúvidas: a coisa era realmente séria. Lentamente, a barata gigante foi descendo. O barulho das patas arrastando pela parede me fez pensar em abandonar de vez o local, mas eu não poderia deixar a humanidade ficar à mercê daquela criatura. De repente, ouvi um barulho no trinco da porta. Senti que aquele poderia ser um momento importante, como a chegada de um aliado, e gritei: Abre logo, porra! Lá de fora veio o diálogo: “Desculpe, dona Solange, mas além da barata tem mais alguém lá dentro?, perguntou uma voz com sotaque nordestino. “Claro que não, Severino! Entra logo aí e mata a danada!”, foi a resposta. Neste instante, me aproximei da maçaneta para dar uma ajuda ao moço, porém, quando estava em frente à porta, a mesma se abriu. Mal tive tempo de abrir a boca: fui ganhando vassourada de tudo que era jeito. O povo gritava: “Mata! Mata!”. Uma velha berrou: A bicha é vermelha! Pau nela!”. Fui levando porrada de tudo que era jeito até eu despencar pela janela. A queda foi rápida, coisa de dois segundos. Pra minha sorte, bati num toldo (que veio junto) e numa árvore (o que amorteceu o estabaco), até cair em cima da barraca de um gordão que vendia pamonha. Meio avariado, tentava me levantar quando ouvi aquela velha safada gritar: “A barata ainda está se mexendo! Taca fogo! Foi aí que, retirando forças nem sei de onde, me levantei e, mesmo todo arrebentado, saí correndo, ferido, porém vivo.
domingo, 15 de junho de 2008
Capítulo 18: Reverência a um herói esquecido
Realmente eu entendo porque sou adorado por milhões de pessoas no mundo. Todos precisam de uma referência para se espelhar e, quem sabe, um dia alcançar sua magnitude. Comigo não é diferente. Antes de ser um super-herói indestrutível, gostoso e sarado, sou uma pessoa com todas as características de um ser humano qualquer. Assim como vocês, que me adoram, também possuo um ídolo, este que merecia notoriedade tão intensa quanto a dos meus amigos Super-Man, Batman, Hulk, The Flash e Mulher Melancia. Trata-se de uma figura lendária em Quissamanduca: Setembrino Buscapé, um autêntico Highlander em toda região.
Filho de família humilde, Sete (por uma dessas coincidências inacreditáveis, a contração do nome era o números de dentes que meu herói tinha na boca) sempre teve de se virar para conseguir ajudar no sustento de casa. Seu pai, Justino Simandei, foi tomado de um mal súbito e abandonou a família assim que Setembrino nasceu. Dizem que ao ter o filho pela primeira em seus braços, seu Justino, sob o efeito do mal, tentou trocar o menino por três panelas e uma vassoura. Indignado com a proposta, o dono do armazém não topou: queria mais cinco pratas de forra.
Convivendo com a sensação de rejeição, Sete era um garoto solitário. Nós tentávamos nos aproximar, jogando um pouco de ração pra ele, mas quando se virava para nós, não ficava um pra contar história. Mesmo assim, eu admirava sua perseverança e força de vontade. Ele era uma pessoa capaz de se reerguer após as mais complicadas adversidades. Logo em seu primeiro emprego, deu provas de tamanha tenacidade e resistência. Era sub-assistente auxiliar de servente em um prédio no centro da cidade. Foi nesta atividade que, pela primeira vez, viu a morte de perto. Escalado para a função de eletricista, Setembrino deveria instalar a luminária da torre, que ficava a uma altura de 78 metros do árido solo de Quissamanduca. Colocado em uma catapulta, foi arremessado em direção ao alvo (devido à sua reconhecida rapidez, Sete teria de colocar a lâmpada gigante na tomada enquanto estivesse sobrevoando o local. Foi antes do lançamento que ele ganhou o apelido de Buscapé). Porém, como o cálculo não foi muito preciso, meu herói da infância passou dois quilômetros do desejado e foi parar no rio Paraguaçuá, conhecido por ser reduto de perigosos tubarões sanguinários (são os únicos no mundo que vivem em água doce). Após uma hora e meia lutando contra os predadores (ele contou 32), conseguiu escapar para espanto dos companheiros que, inexplicavelmente, promoviam uma festa de arromba quando ele retornou. Protegido por Deus, Setembrino sofreu apenas escoriações pelo corpo, porém perdeu as calças e um pedaço do órgão genital que foi encontrado uma semana depois boiando na margem do rio (inicialmente, os pescadores acreditavam ser uma espécie de peixe rola). Refeito do infortúnio, Sete ainda sofreria novo golpe ao retornar ao trabalho no dia seguinte. Fora demitido pelo tirano chefe de obras, Aderbal de Decana, que não se conformou com o fato de a tarefa não ter sido cumprida.
Necessitando muito de trabalho para ajudar sua mãe e os 18 irmãos menores, Setembrino foi atrás de novo emprego e, graças ao bom coração de seu Venério, dono do frigorífico da cidade, conseguiu novo trampo. Seria segurança. Preocupado com a onda de assaltos que assolava Quissamanduca (em menos de uma semana, já tinham sido roubadas duas latas de lixo, uma placa de Proibido Mijar no Poste e uma tampa de bueiro), Venério resolveu colocar alguém 24 horas tomando conta das carnes, e incumbiu Sete de fiscalizar a carga. A tarefa não era das mais árduas, o problemas mesmo era suportar os 45 graus abaixo de zero da câmara frigorífica. Zeloso com a saúde de seu novo empregado, seu Venério providenciou um gorro e uma camisa de mangas compridas (tinha um pequeno rombo na altura da axila direita). Competente ao extremo, Setembrino cumpriu a risca sua função, permanecendo por seis dias e seis noites em seu posto. Após trabalhar de segunda a sábado, ele folgaria no domingo. Folgaria, porque como ficou congelado, teve de passar o descanso sob forte processo de derretimento.
Eu poderia passar horas lembrando momentos inesquecíveis do esquecido grande herói, mas terminarei relatando o feito titânico que praticou, o maior de todos. Em uma bela tarde de sol, que fazia Quissamanduca parecer o Sudão, Setembrino ajudava a catar piolhos na cabecinha juvenil de seu irmão caçula, Da Cu (era pra ser Da Cunha, mas o escrivão passou mal na hora que anotava e faleceu. Com a confusão do ocorrido, ninguém se ligou que ainda faltava uma sílaba), quando viu sua avó cega, a doce Rosenalva, andando em direção à fossa, que estava a um metro dos pés cansados da pobre velhinha. Em uma atitude só comum aos seres iluminados, Sete partiu como uma flecha em direção à sua vovó e, a um passo da vala de excrementos, empurrou a senhora, salvando-a de uma tragédia maior. No entanto, Setembrino não contava com a infelicidade de escorregar no chão sebento do local e, perdendo o rumo, mergulhou de cabeça no buraco cheio de cocô, com uns três metros de profundidade. A apreensão tomou conta de todos. Primeiro, porque ao salvar sua avó, Sete acabou utilizando força excessiva, a velhinha saiu catando cavaco e despencou a ribanceira; e depois com a saúde do herói. Porém, cerca de dois minutos depois, para espanto de todos, eis que ele surge imponente das profundezas daquele poço de merda. Deste dia em diante, Setembrino Buscapé passou à imortalidade para todos os habitantes, vivos e mortos, de Quissamanduca Town. Toda vez que tosse, cospe um toletinho de cocô. Mais de trinta anos depois, Sete ainda segue carrega consigo lembranças daquele episódio. Toda vez que tosse, cospe um toletinho de cocô.
Filho de família humilde, Sete (por uma dessas coincidências inacreditáveis, a contração do nome era o números de dentes que meu herói tinha na boca) sempre teve de se virar para conseguir ajudar no sustento de casa. Seu pai, Justino Simandei, foi tomado de um mal súbito e abandonou a família assim que Setembrino nasceu. Dizem que ao ter o filho pela primeira em seus braços, seu Justino, sob o efeito do mal, tentou trocar o menino por três panelas e uma vassoura. Indignado com a proposta, o dono do armazém não topou: queria mais cinco pratas de forra.
Convivendo com a sensação de rejeição, Sete era um garoto solitário. Nós tentávamos nos aproximar, jogando um pouco de ração pra ele, mas quando se virava para nós, não ficava um pra contar história. Mesmo assim, eu admirava sua perseverança e força de vontade. Ele era uma pessoa capaz de se reerguer após as mais complicadas adversidades. Logo em seu primeiro emprego, deu provas de tamanha tenacidade e resistência. Era sub-assistente auxiliar de servente em um prédio no centro da cidade. Foi nesta atividade que, pela primeira vez, viu a morte de perto. Escalado para a função de eletricista, Setembrino deveria instalar a luminária da torre, que ficava a uma altura de 78 metros do árido solo de Quissamanduca. Colocado em uma catapulta, foi arremessado em direção ao alvo (devido à sua reconhecida rapidez, Sete teria de colocar a lâmpada gigante na tomada enquanto estivesse sobrevoando o local. Foi antes do lançamento que ele ganhou o apelido de Buscapé). Porém, como o cálculo não foi muito preciso, meu herói da infância passou dois quilômetros do desejado e foi parar no rio Paraguaçuá, conhecido por ser reduto de perigosos tubarões sanguinários (são os únicos no mundo que vivem em água doce). Após uma hora e meia lutando contra os predadores (ele contou 32), conseguiu escapar para espanto dos companheiros que, inexplicavelmente, promoviam uma festa de arromba quando ele retornou. Protegido por Deus, Setembrino sofreu apenas escoriações pelo corpo, porém perdeu as calças e um pedaço do órgão genital que foi encontrado uma semana depois boiando na margem do rio (inicialmente, os pescadores acreditavam ser uma espécie de peixe rola). Refeito do infortúnio, Sete ainda sofreria novo golpe ao retornar ao trabalho no dia seguinte. Fora demitido pelo tirano chefe de obras, Aderbal de Decana, que não se conformou com o fato de a tarefa não ter sido cumprida.
Necessitando muito de trabalho para ajudar sua mãe e os 18 irmãos menores, Setembrino foi atrás de novo emprego e, graças ao bom coração de seu Venério, dono do frigorífico da cidade, conseguiu novo trampo. Seria segurança. Preocupado com a onda de assaltos que assolava Quissamanduca (em menos de uma semana, já tinham sido roubadas duas latas de lixo, uma placa de Proibido Mijar no Poste e uma tampa de bueiro), Venério resolveu colocar alguém 24 horas tomando conta das carnes, e incumbiu Sete de fiscalizar a carga. A tarefa não era das mais árduas, o problemas mesmo era suportar os 45 graus abaixo de zero da câmara frigorífica. Zeloso com a saúde de seu novo empregado, seu Venério providenciou um gorro e uma camisa de mangas compridas (tinha um pequeno rombo na altura da axila direita). Competente ao extremo, Setembrino cumpriu a risca sua função, permanecendo por seis dias e seis noites em seu posto. Após trabalhar de segunda a sábado, ele folgaria no domingo. Folgaria, porque como ficou congelado, teve de passar o descanso sob forte processo de derretimento.
Eu poderia passar horas lembrando momentos inesquecíveis do esquecido grande herói, mas terminarei relatando o feito titânico que praticou, o maior de todos. Em uma bela tarde de sol, que fazia Quissamanduca parecer o Sudão, Setembrino ajudava a catar piolhos na cabecinha juvenil de seu irmão caçula, Da Cu (era pra ser Da Cunha, mas o escrivão passou mal na hora que anotava e faleceu. Com a confusão do ocorrido, ninguém se ligou que ainda faltava uma sílaba), quando viu sua avó cega, a doce Rosenalva, andando em direção à fossa, que estava a um metro dos pés cansados da pobre velhinha. Em uma atitude só comum aos seres iluminados, Sete partiu como uma flecha em direção à sua vovó e, a um passo da vala de excrementos, empurrou a senhora, salvando-a de uma tragédia maior. No entanto, Setembrino não contava com a infelicidade de escorregar no chão sebento do local e, perdendo o rumo, mergulhou de cabeça no buraco cheio de cocô, com uns três metros de profundidade. A apreensão tomou conta de todos. Primeiro, porque ao salvar sua avó, Sete acabou utilizando força excessiva, a velhinha saiu catando cavaco e despencou a ribanceira; e depois com a saúde do herói. Porém, cerca de dois minutos depois, para espanto de todos, eis que ele surge imponente das profundezas daquele poço de merda. Deste dia em diante, Setembrino Buscapé passou à imortalidade para todos os habitantes, vivos e mortos, de Quissamanduca Town. Toda vez que tosse, cospe um toletinho de cocô. Mais de trinta anos depois, Sete ainda segue carrega consigo lembranças daquele episódio. Toda vez que tosse, cospe um toletinho de cocô.
quinta-feira, 12 de junho de 2008
Capítulo 17: O Perigo Ronda a Internet
Este dia 12 de junho é dedicado aos namorados. Em homenagem à data tão especial, resolvi revelar a vocês, meus adoradores queridos, uma de minhas aventuras mais perigosas em minha mítica missão na Terra. POR FAVOR, TIREM AS CRIANÇAS DA FRENTE DO COMPUTADOR!
Firme em meus propósitos de seguir solitário a jornada quase messiânica de salvar a humanidade, eu sentia, no entanto, uma necessidade de ter uma companhia feminina; nem que fosse para algumas partidas de porrinha (em alguns locais também conhecido como palitinho). Numa agradável noite de inverno (a queda da temperatura para 35 graus era convidativa a uma noite de loucuras com uma fêmea selvagem), encontrei os amigos no bar do Seu Senta para nossa tradicional roda semanal de Salto do Sputnik, uma mistura de Anthrax e coquetel Molotov que era disponibilizada com exclusividade no estabelecimento. O encontro era uma agradável disputa para ver quem seria o segundo a permanecer em pé após as diversas rodadas daquela combinação etílica. A briga era pelo vice, porque o caneco já tinha dono: Carlão da Mureta, ex-motorista da linha 666 (Santa Cruz-Boca do Inferno). O campeão, que ganhou o apelido por sempre dar uma porrada no muro quando deixava o ônibus na garagem da empresa (durante as viagens, ele mamava três pet de dois litros contendo um líquido amarelado não identificado. Quando foi demitido ao invadir com o coletivo o escritório do dono da companhia, as garrafinhas foram apreendidas pela polícia, mas o perito faleceu após abrir uma delas e ninguém mais se atreveu a sentir o cheiro do troço), sempre ainda está começando os trabalhos quando o segundo é retirado de maca do botequim.
Já estávamos na sexta rodada quando Zeca Fura Bolo (tinha o péssimo hábito de dar um cutucão na bunda de dona Raimunda, uma senhora afro-descendente que cozinhava para o bar e fazia a Mulher Melancia parecer a Mulher Azeitona) me contou que conheceu uma gata fantástica pela internet. Aquilo me intrigou e, ao mesmo tempo, reacendeu em mim a volúpia de macho viril, adormecida após o pé na bunda que recebi de Marcleide, minha ex-noiva. Zeca, então, me deu o endereço do site: http://www.vaiqueetuataffarel.com.br/.
Excitado com a possibilidade de encontrar um novo alguém, decidi encerrar minha participação na disputa (nesse dia, a segunda colocação ficou com padre Cícero que, doidão, comemorou a conquista ficando nu na porta do bar).
Parti feroz para a lan house do bairro, o Cyber Nética do Zé (sempre tinha umas promoções legais, como meia-hora grátis de acesso a uns sites de sacanagem). Me cadastrei com o nome de Spider Strong, dei minhas características e, menos de cinco minutos depois, recebi uma mensagem. A moça se identificava como Gata Solitária Sedenta. Aquilo, para mim, era um sinal dos céus me abrindo o caminho para uma jornada de luxúria. Começamos a trocar mensagens e, em pouco tempo, estávamos íntimos, apaixonados e excitadíssimos. Ela disse se chamar Rô e estaria me esperando no Pelancão de Ouro, a churrascaria mais popular de Santa Cruz (as especialidades da casa eram o ovo cozido na brasa e a picanha de Calango). Marquei o encontro e voltei resoluto para a pensão do Vasco com a intenção de dar uma reforçada no desodorante, aproveitando também para colocar minha roupa de Spider e trocar a cueca (eu estava com a mesma a quatro dias). Após umas três burrifadas de Avanço em cada axila (não acho suvaco uma palavra muito bonita) e já devidamente equipado com minha inconfundível vestimenta, incluindo a nova Zarbo (era uma imitação de Zorba que eu tinha comprado na feira; três pratas um pacote com cinco), segui para o local do encontro. Pontual, cheguei ao Pelancão na hora marcada: meia-noite.
Controlando a ansiedade, abri a porta da churrascaria e entrei. Havia muito pouca gente no local, somente quatro mesas ocupadas: um coroa dormindo com a cara no prato, uma família (a curtição das crianças era arremessar a cadeira de rodas, com o avô pilotando, de um lado pro outro do salão), um anão (quando eu entrei, ele estava subindo na cadeira e, por isso, só o vi depois de um tempo) e uma senhora de uns 80 anos que não parava de sorrir. Escolhi uma mesa no canto e fiquei aguardando a entrada da minha deusa. O tempo foi passando e nada da mulher chegar. A família foi embora, seguida do anão. Depois dois garçons acordaram o coroa, que partiu também (reparei que tinha duas batatas fritas coladas na testa). Só restamos eu a senhora sorridente. Quando eu já me preparava para ir embora, notei que a velha veio caminhando na minha direção. Olhei para trás para ver se eu estava sentado próximo à porta do banheiro feminino, mas a única coisa que tinha atrás era uma parede com um pôster do Campinense (glorioso time da Paraíba que o dono da churrascaria, torcedor fanático do novel clube, fazia questão de exibir). Então, aquela criatura parou em frente à minha mesa e sussurrou com uma voz de quem parecia estar morrendo: “Você é tímido, né, Strong?”. Fui tomado por um frio da cabeça aos pés, meu coração ficou acelerado e a boca secou. Ainda aturdido com aquela visão do inferno, acompanhei os movimentos da velha puxando a cadeira e sentando à minha frente. “Prazer, Romária! Você pode me chamar de Rô!”. Naquele momento, fiz uma reflexão profunda tentando lembrar o que eu tinha aprontado de perverso em minha infância. Alguma coisa muito feia eu tinha que ter feito para merecer aquilo.
Subitamente, me veio uma incontrolável vontade de chorar, mas, buscando uma força sobrenatural, resisti. Mas foi por pouco tempo. Vencendo minha resistência hercúlea, as lágrimas banharam meu rosto após a segunda intervenção daquela pessoa: “Você entra sempre no Vai Que É Tua Taffarel?”. Com a voz embargada, apelei àquela senhora: “Não faz isso não!”. Ainda com o sorriso no focinho (na realidade, a velha não estava rindo; era uma plástica tão esticada que fazia a boca da Elza Soares parecer com a da Angelina Jolie), aquilo chamou um garçom: “Qual o melhor conhaque da casa?”, pediu a velha. “Só tem o Salamandra”, respondeu o cara, que era igualzinho ao Luciano, aquele que fica na aba do Zezé di Camargo. Dona Romária olhou pra mim, piscou com o olho direito (por causa do botox o esquerdo foi junto) e ordenou ao garçom: “Então manda dois copos! Um pra mim e outro pro gato!” E ela ainda falou isso alto, pra todos os outros funcionários ouvirem. Foi nessa hora que me descontrolei. Dei-lhe uma porrada nos córneos, e a jaguatirica velha entrou por dentro da copa. Depois de ouvir o esporro de pratos caindo lá dentro, corri buscando a saída daquele lugar. Dois garçons se plantaram na minha frente tentando me impedir, mas nem imaginavam estar diante do verdadeiro e único Spider-Man: levei os dois com porta e tudo, e segui correndo até me perder pelas ruas escuras de Santa Cruz.
Dois dias depois, já refeito do susto, andava pelo calçadão de Madureira (fui aproveitar uma promoção de pilhas recicladas para poder acompanhar um jogo treino do Fogão contra um combinado de Engenheiro Pedreira) quando vi, pendurado em uma banca de jornal, a manchete do Meia-Hora: “ANCIÃ ENGOLE A DENTADURA APÓS SER ATACADA PELO HOMEM-ARANHA TARADO.
Firme em meus propósitos de seguir solitário a jornada quase messiânica de salvar a humanidade, eu sentia, no entanto, uma necessidade de ter uma companhia feminina; nem que fosse para algumas partidas de porrinha (em alguns locais também conhecido como palitinho). Numa agradável noite de inverno (a queda da temperatura para 35 graus era convidativa a uma noite de loucuras com uma fêmea selvagem), encontrei os amigos no bar do Seu Senta para nossa tradicional roda semanal de Salto do Sputnik, uma mistura de Anthrax e coquetel Molotov que era disponibilizada com exclusividade no estabelecimento. O encontro era uma agradável disputa para ver quem seria o segundo a permanecer em pé após as diversas rodadas daquela combinação etílica. A briga era pelo vice, porque o caneco já tinha dono: Carlão da Mureta, ex-motorista da linha 666 (Santa Cruz-Boca do Inferno). O campeão, que ganhou o apelido por sempre dar uma porrada no muro quando deixava o ônibus na garagem da empresa (durante as viagens, ele mamava três pet de dois litros contendo um líquido amarelado não identificado. Quando foi demitido ao invadir com o coletivo o escritório do dono da companhia, as garrafinhas foram apreendidas pela polícia, mas o perito faleceu após abrir uma delas e ninguém mais se atreveu a sentir o cheiro do troço), sempre ainda está começando os trabalhos quando o segundo é retirado de maca do botequim.
Já estávamos na sexta rodada quando Zeca Fura Bolo (tinha o péssimo hábito de dar um cutucão na bunda de dona Raimunda, uma senhora afro-descendente que cozinhava para o bar e fazia a Mulher Melancia parecer a Mulher Azeitona) me contou que conheceu uma gata fantástica pela internet. Aquilo me intrigou e, ao mesmo tempo, reacendeu em mim a volúpia de macho viril, adormecida após o pé na bunda que recebi de Marcleide, minha ex-noiva. Zeca, então, me deu o endereço do site: http://www.vaiqueetuataffarel.com.br/.
Excitado com a possibilidade de encontrar um novo alguém, decidi encerrar minha participação na disputa (nesse dia, a segunda colocação ficou com padre Cícero que, doidão, comemorou a conquista ficando nu na porta do bar).
Parti feroz para a lan house do bairro, o Cyber Nética do Zé (sempre tinha umas promoções legais, como meia-hora grátis de acesso a uns sites de sacanagem). Me cadastrei com o nome de Spider Strong, dei minhas características e, menos de cinco minutos depois, recebi uma mensagem. A moça se identificava como Gata Solitária Sedenta. Aquilo, para mim, era um sinal dos céus me abrindo o caminho para uma jornada de luxúria. Começamos a trocar mensagens e, em pouco tempo, estávamos íntimos, apaixonados e excitadíssimos. Ela disse se chamar Rô e estaria me esperando no Pelancão de Ouro, a churrascaria mais popular de Santa Cruz (as especialidades da casa eram o ovo cozido na brasa e a picanha de Calango). Marquei o encontro e voltei resoluto para a pensão do Vasco com a intenção de dar uma reforçada no desodorante, aproveitando também para colocar minha roupa de Spider e trocar a cueca (eu estava com a mesma a quatro dias). Após umas três burrifadas de Avanço em cada axila (não acho suvaco uma palavra muito bonita) e já devidamente equipado com minha inconfundível vestimenta, incluindo a nova Zarbo (era uma imitação de Zorba que eu tinha comprado na feira; três pratas um pacote com cinco), segui para o local do encontro. Pontual, cheguei ao Pelancão na hora marcada: meia-noite.
Controlando a ansiedade, abri a porta da churrascaria e entrei. Havia muito pouca gente no local, somente quatro mesas ocupadas: um coroa dormindo com a cara no prato, uma família (a curtição das crianças era arremessar a cadeira de rodas, com o avô pilotando, de um lado pro outro do salão), um anão (quando eu entrei, ele estava subindo na cadeira e, por isso, só o vi depois de um tempo) e uma senhora de uns 80 anos que não parava de sorrir. Escolhi uma mesa no canto e fiquei aguardando a entrada da minha deusa. O tempo foi passando e nada da mulher chegar. A família foi embora, seguida do anão. Depois dois garçons acordaram o coroa, que partiu também (reparei que tinha duas batatas fritas coladas na testa). Só restamos eu a senhora sorridente. Quando eu já me preparava para ir embora, notei que a velha veio caminhando na minha direção. Olhei para trás para ver se eu estava sentado próximo à porta do banheiro feminino, mas a única coisa que tinha atrás era uma parede com um pôster do Campinense (glorioso time da Paraíba que o dono da churrascaria, torcedor fanático do novel clube, fazia questão de exibir). Então, aquela criatura parou em frente à minha mesa e sussurrou com uma voz de quem parecia estar morrendo: “Você é tímido, né, Strong?”. Fui tomado por um frio da cabeça aos pés, meu coração ficou acelerado e a boca secou. Ainda aturdido com aquela visão do inferno, acompanhei os movimentos da velha puxando a cadeira e sentando à minha frente. “Prazer, Romária! Você pode me chamar de Rô!”. Naquele momento, fiz uma reflexão profunda tentando lembrar o que eu tinha aprontado de perverso em minha infância. Alguma coisa muito feia eu tinha que ter feito para merecer aquilo.
Subitamente, me veio uma incontrolável vontade de chorar, mas, buscando uma força sobrenatural, resisti. Mas foi por pouco tempo. Vencendo minha resistência hercúlea, as lágrimas banharam meu rosto após a segunda intervenção daquela pessoa: “Você entra sempre no Vai Que É Tua Taffarel?”. Com a voz embargada, apelei àquela senhora: “Não faz isso não!”. Ainda com o sorriso no focinho (na realidade, a velha não estava rindo; era uma plástica tão esticada que fazia a boca da Elza Soares parecer com a da Angelina Jolie), aquilo chamou um garçom: “Qual o melhor conhaque da casa?”, pediu a velha. “Só tem o Salamandra”, respondeu o cara, que era igualzinho ao Luciano, aquele que fica na aba do Zezé di Camargo. Dona Romária olhou pra mim, piscou com o olho direito (por causa do botox o esquerdo foi junto) e ordenou ao garçom: “Então manda dois copos! Um pra mim e outro pro gato!” E ela ainda falou isso alto, pra todos os outros funcionários ouvirem. Foi nessa hora que me descontrolei. Dei-lhe uma porrada nos córneos, e a jaguatirica velha entrou por dentro da copa. Depois de ouvir o esporro de pratos caindo lá dentro, corri buscando a saída daquele lugar. Dois garçons se plantaram na minha frente tentando me impedir, mas nem imaginavam estar diante do verdadeiro e único Spider-Man: levei os dois com porta e tudo, e segui correndo até me perder pelas ruas escuras de Santa Cruz.
Dois dias depois, já refeito do susto, andava pelo calçadão de Madureira (fui aproveitar uma promoção de pilhas recicladas para poder acompanhar um jogo treino do Fogão contra um combinado de Engenheiro Pedreira) quando vi, pendurado em uma banca de jornal, a manchete do Meia-Hora: “ANCIÃ ENGOLE A DENTADURA APÓS SER ATACADA PELO HOMEM-ARANHA TARADO.
terça-feira, 10 de junho de 2008
Capítulo 16: Contatos Imediatos do 4º Grau
A decisão de Marcleide em terminar tudo foi um golpe muito forte para mim. Durante um bom tempo vagava pelas ruas de Santa Cruz, virando noites ensolaradas (o calor era tão insuportável naquele buraco, que estou convicto de que a bola branca cheia de buracos era o sol disfarçado) e entornando tudo que via pela frente. Como não podia ficar no bar da esquina (cheio de manguaça, eu poderia querer afogar minhas mágoas encarando o seu Senta), tive de buscar encher o focinho em outras redondezas. Certa vez, já bem caneado, vi um cartaz preso a um poste: “Mãe Candinha traz de volta a mulher amada em três dias”. Como não enxergo muito bem e ainda estava bêbado, tive que conferir de pertinho, quase cheirando o cartaz. Mas era aquilo mesmo. Anotei o número do telefone e voltei à pensão com a sensação de um novo horizonte em minha vida.
Apesar da ressaca desgraçada e do medo secular por tudo que dizia respeito ao além, acordei radiante no dia seguinte, muito confiante de que meu encontro com a vidente seria um sucesso retumbante. Pulei da cama rapidamente, porém caí em seguida, porque via tudo girar. Depois de beber um copo de 500 ml de suco de boldo para curar a ressaca (demorei coisa de uma hora pra beber, porque quando colocava aquele troço verde na boca, mandava de volta pro copo), estava pronto para a gloriosa missão de trazer meu amor de volta.
Já em ponto de bala, liguei para o número anotado. Atendeu uma moça que se identificou como Maria do Socorro. Ela dizia ser uma espécie de assistente de Mãe Candinha. Expliquei meu problema e a moça marcou a consulta para a noite do mesmo dia.
Apesar de um pouquinho cabreiro (a possibilidade de ter minha Marcleide de volta vencia o medo que carregava desde quando era criança pequena em Quissamanduca. Ouvir palavras como espírito, fantasma e correlacionadas, me deixava em pânico).
O lugar era longe pra diabo, mas mesmo que fosse em Plutão eu iria arrumar um jeito de chegar até lá. Peguei um ônibus, depois um trem e a seguir uma kombi que me lavaria ao destino final. Após eu dizer o endereço pra onde queria ir, o motorista me olhou pelo retrovisor e fez o sinal da cruz. Admito que aquilo me intrigou, mas a certeza de ter minha amada de volta logo me fez esquecer o ocorrido..
Chegando ao local, o piloto nem esperou eu pagar a corrida. Saiu cantando pneu e sumiu na estrada deserta. Depois de andar por uns 40 minutos, finalmente cheguei onde queria: número 45.299. Era um barraco que tinha uma placa no alto da porta com os dizeres: “Casa do Nhonhô”. Dei uma respirada fundo (me lembrei da minha família e dos amigos) e duas pancadinhas de leve na porta de madeira. Lá de dentro, uma voz grave e rouca lá ordenou: “Entra! Eu estava à sua espera!” Nesse momento, senti um barulho profundo em minha barriga (me recordei do cachorro-quente com 12 molhos que comi no trem). Abri a porta e fui entrando. Estava tudo escuro e, no segundo passo que dei, pisei no rabo de um gato preto que estava no local. Eu me assustei com o berro do bicho e, numa reação instintiva de fuga, gritei ainda mais alto que o gato e meti os córneos na porta que ainda estava entreaberta. Ainda meio tonto com a porrada que dei, levantei-me e ouvi a voz novamente. “Não se preocupa! Sadam é inofensivo! Pode se aproximar!”.
Eu não conseguia enxergar nada, mas fui andando até não perceber que caminhara demais. Quando ouvi o apreensivo “Pára!”, já era tarde. Derrubei mesa, cadeira e a velha que estava sentada. Sem jeito, ajudei a senhora a se levantar e a recolocar mesa e cadeiras nos lugares. A velha, então, se apresentou: “Sou mãe Candinha! Vejo que você está um pouco tenso. Não se preocupe. Nhonhõ virá te ajudar!” Na terceira tentativa em falar (a voz não saía), perguntei à moça: “Minha senhora, eu vim aqui porque no cartaz dizia...”. Imediatamente, Mãe Candinha me interrompeu: “Meu filho, de hoje a três dias você terá sua amada de volta!”. E ordenou em seguida: “Senta aí!” A vontade em atender rápido o desejo daquela pessoa me fez tomar a atitude intempestiva de me sentar de pronto, sem me preocupar em perceber se a cadeira estava por ali. Após sentir o piso duro do local (fui de bunda, de costas e depois com a cabeça de encontro ao chão), consegui me erguer e, ao avistar a cadeira (estava a uns dois metros de mim), finalmente me sentei. Mãe Candinha, então, me instruiu para começarmos o ritual: “Vou invocar o espírito de Nhonhô e você deverá repetir em voz alta o mantra Aga Aga!”.
É importante salientar que o cachorro-quente que comi no trem entrava em ação constantemente em meu organismo, provocando uma sensação de alívio, porém ao mesmo tempo de desconforto entre minha região glútea e a calça. De repente, Mãe Candinha deu um grito e, com as mãos para o alto, clamou: “Aga Aga!”. Sem pensar nem meia vez, mandei o tal mantra de volta. A velha gritava de lá e eu repetia de cá. Isso aconteceu umas dez vezes, até que ela deu um bico na mesa. Foi neste instante que as coisas se complicaram. O que restava do lanchinho feito na viagem escorreu pelas minhas pernas. Com os olhos fincados nos meus e a voz igualzinha à do Cid Moreira, Mãe Candinha disse: “Uhm, uhm! ZunNhonhô vai trazer zua amada! Qual o zunnome dela?”. Fiquei devendo essa resposta ao moço. Usando minhas habilidades de super-herói, pulei da cadeira e varejei a janela que, claro, estava fechada. Ao cair para o lado de fora da casa, saí correndo pedindo por socorro. Foi aí que dona Maria (a que atendeu o telefone quando liguei) apareceu. Ela era vizinha de Candinha e auxiliava alguns clientes que, assim como eu, eram um pouco impressionados (daí o sobrenome artístico). A santa mulher me emprestou uma bicicleta do filhinho de quatro anos (as rodinhas laterais atrapalharam um pouco) e, sem olhar pra trás, deixei o local para nunca mais voltar. Desse dia em diante, definitivamente tirei minha ex-noiva da cabeça e voltei, exclusivamente, a pensar em minha missão, que é proteger fracos e oprimidos.
Apesar da ressaca desgraçada e do medo secular por tudo que dizia respeito ao além, acordei radiante no dia seguinte, muito confiante de que meu encontro com a vidente seria um sucesso retumbante. Pulei da cama rapidamente, porém caí em seguida, porque via tudo girar. Depois de beber um copo de 500 ml de suco de boldo para curar a ressaca (demorei coisa de uma hora pra beber, porque quando colocava aquele troço verde na boca, mandava de volta pro copo), estava pronto para a gloriosa missão de trazer meu amor de volta.
Já em ponto de bala, liguei para o número anotado. Atendeu uma moça que se identificou como Maria do Socorro. Ela dizia ser uma espécie de assistente de Mãe Candinha. Expliquei meu problema e a moça marcou a consulta para a noite do mesmo dia.
Apesar de um pouquinho cabreiro (a possibilidade de ter minha Marcleide de volta vencia o medo que carregava desde quando era criança pequena em Quissamanduca. Ouvir palavras como espírito, fantasma e correlacionadas, me deixava em pânico).
O lugar era longe pra diabo, mas mesmo que fosse em Plutão eu iria arrumar um jeito de chegar até lá. Peguei um ônibus, depois um trem e a seguir uma kombi que me lavaria ao destino final. Após eu dizer o endereço pra onde queria ir, o motorista me olhou pelo retrovisor e fez o sinal da cruz. Admito que aquilo me intrigou, mas a certeza de ter minha amada de volta logo me fez esquecer o ocorrido..
Chegando ao local, o piloto nem esperou eu pagar a corrida. Saiu cantando pneu e sumiu na estrada deserta. Depois de andar por uns 40 minutos, finalmente cheguei onde queria: número 45.299. Era um barraco que tinha uma placa no alto da porta com os dizeres: “Casa do Nhonhô”. Dei uma respirada fundo (me lembrei da minha família e dos amigos) e duas pancadinhas de leve na porta de madeira. Lá de dentro, uma voz grave e rouca lá ordenou: “Entra! Eu estava à sua espera!” Nesse momento, senti um barulho profundo em minha barriga (me recordei do cachorro-quente com 12 molhos que comi no trem). Abri a porta e fui entrando. Estava tudo escuro e, no segundo passo que dei, pisei no rabo de um gato preto que estava no local. Eu me assustei com o berro do bicho e, numa reação instintiva de fuga, gritei ainda mais alto que o gato e meti os córneos na porta que ainda estava entreaberta. Ainda meio tonto com a porrada que dei, levantei-me e ouvi a voz novamente. “Não se preocupa! Sadam é inofensivo! Pode se aproximar!”.
Eu não conseguia enxergar nada, mas fui andando até não perceber que caminhara demais. Quando ouvi o apreensivo “Pára!”, já era tarde. Derrubei mesa, cadeira e a velha que estava sentada. Sem jeito, ajudei a senhora a se levantar e a recolocar mesa e cadeiras nos lugares. A velha, então, se apresentou: “Sou mãe Candinha! Vejo que você está um pouco tenso. Não se preocupe. Nhonhõ virá te ajudar!” Na terceira tentativa em falar (a voz não saía), perguntei à moça: “Minha senhora, eu vim aqui porque no cartaz dizia...”. Imediatamente, Mãe Candinha me interrompeu: “Meu filho, de hoje a três dias você terá sua amada de volta!”. E ordenou em seguida: “Senta aí!” A vontade em atender rápido o desejo daquela pessoa me fez tomar a atitude intempestiva de me sentar de pronto, sem me preocupar em perceber se a cadeira estava por ali. Após sentir o piso duro do local (fui de bunda, de costas e depois com a cabeça de encontro ao chão), consegui me erguer e, ao avistar a cadeira (estava a uns dois metros de mim), finalmente me sentei. Mãe Candinha, então, me instruiu para começarmos o ritual: “Vou invocar o espírito de Nhonhô e você deverá repetir em voz alta o mantra Aga Aga!”.
É importante salientar que o cachorro-quente que comi no trem entrava em ação constantemente em meu organismo, provocando uma sensação de alívio, porém ao mesmo tempo de desconforto entre minha região glútea e a calça. De repente, Mãe Candinha deu um grito e, com as mãos para o alto, clamou: “Aga Aga!”. Sem pensar nem meia vez, mandei o tal mantra de volta. A velha gritava de lá e eu repetia de cá. Isso aconteceu umas dez vezes, até que ela deu um bico na mesa. Foi neste instante que as coisas se complicaram. O que restava do lanchinho feito na viagem escorreu pelas minhas pernas. Com os olhos fincados nos meus e a voz igualzinha à do Cid Moreira, Mãe Candinha disse: “Uhm, uhm! ZunNhonhô vai trazer zua amada! Qual o zunnome dela?”. Fiquei devendo essa resposta ao moço. Usando minhas habilidades de super-herói, pulei da cadeira e varejei a janela que, claro, estava fechada. Ao cair para o lado de fora da casa, saí correndo pedindo por socorro. Foi aí que dona Maria (a que atendeu o telefone quando liguei) apareceu. Ela era vizinha de Candinha e auxiliava alguns clientes que, assim como eu, eram um pouco impressionados (daí o sobrenome artístico). A santa mulher me emprestou uma bicicleta do filhinho de quatro anos (as rodinhas laterais atrapalharam um pouco) e, sem olhar pra trás, deixei o local para nunca mais voltar. Desse dia em diante, definitivamente tirei minha ex-noiva da cabeça e voltei, exclusivamente, a pensar em minha missão, que é proteger fracos e oprimidos.
Capítulo 15: O Triste Fim do Noivado com a Doce Marcleide
É complicado para um super-herói se apegar aos caprichos do coração. Normalmente, o resultado não é dos mais agradáveis. No meu caso, chegou a ser traumático, pois eu era completamente apaixonado por Marcleide, uma bela menina que conheci na Feira de São Cristóvão.
Linda, meiga, tímida e inteligente (por eu estar muito envolvido, talvez ela não fosse tão linda, tão meiga, tão tímida e tão inteligente assim), era uma moça prendada, que morava com os pais e passava boa parte de seu tempo cuidando do avô, este o pivô de nossa separação e responsável pelo término de uma relação que tinha tudo para ser eterna.
Namorávamos há meses quando Marcleide, impulsionada por sua inocência, me convidou a ir à sua casa conhecer sua família. Fiquei emocionado com o convite, e até tomei um banho para conhecer meus futuros sogros e avô. Ao chegar à humilde casa, que ficava apenas a alguns quilômetros da pensão do seu Vasco, fui recepcionado pelo terno sorriso de Marcleide e a companhia de seus simpáticos pais, seu Onofre e dona Jupira. Ao entrar, vi um cachorro magro e um senhor com um pijama de flanela sentado em uma poltrona antiga, bem no canto da sala. Era seu Juventino, o avô, que minha noiva tanto amava e queria levar junto quando nos casássemos. Imóvel, ele apenas fixava o olhar em mim. Marcleide já me alertara que seu vovô era surdo, mudo e não mexia um único membro (aquele, então, nem pensar). Assim, seu Juventino ficava lá, sentado, vendo o tempo passar (talvez imaginando que o velho fosse um móvel da casa, de vez em quando o cachorro dava umas mijadas nas pernas do coroa).
Sem a presença do velhinho, sentamos os quatro à mesa para o jantar; uma suculenta rabada com agrião e polenta. Após nos fartarmos, Marcleide tratou de alimentar seu avô, que continuava me sacando. Ele parecia até um boneco de cera. Marcleide enchia a colher com a iguaria, o velho abria a boa, mastigava a comida e engolia o bruto. Tudo isso sem tirar os olhos de mim. Eu seguia conversando com seu Onofre e dona Jupira, mas quando me virava pra trás, lá estava o velho me manjando. Aquilo começou a me incomodar um pouco e comentei com Marcleide, que disse para não me importar, pois o avô talvez estivesse me estranhando.
Quando eu já tinha me acostumado com o fato de estar sendo monitorado por uma múmia que abria a boca, senti no ar um cheiro horrível. Era impressionante a catinga, mas nem seu Onofre, nem dona Jupira pareciam se importar, muito menos Marcleide. Todos continuavam agindo normalmente, sem que nada estivesse acontecendo. Pensei que estava tendo uma alucinação olfativa (se é que isso existe), mas logo depois o cheiro ficou ainda pior. Virei para tentar me comunicar com minha noiva (eu não conseguia respirar e já estava perdendo os sentidos) e, mais uma vez, vi o velho me olhando, só que agora ele estava com um sorriso na boca entreaberta. Por um instante, achei que tivesse morrido e estava diante do capeta, mas voltei à consciência sem, no entanto, conseguir me expressar com Marcleide. Eu ouvia, ao longe, as vozes dos pais de minha noiva (parecia que eles estavam falando comigo), mas eu não conseguia entender nada. Meus movimentos foram ficando mais ralentados, e senti a nítida impressão que iria desmaiar. Em um último e desesperado movimento, joguei meu corpo para trás para pedir socorro à minha querida amada, porém o que vi me aterrorizou: Sempre com aquele sorriso no rosto, o velho foi tombando levemente para um dos lados e voltava a posição original, com o cachorro, magro que nem um faquir, saindo cambaleando pela sala com a boca aberta. Foi aí que ouvi a voz de Marcleide bem ao longe dizer: “Ah, amor, você não se importa com os gases do vovô, né?”. Foram as últimas palavras que ouvi antes de perder o sentido. Reanimado com um balde de água gelada na cara, me levantei que nem um touro enfurecido e, completamente descontrolado, parti pra cima do velho e comecei a esganá-lo. Só não matei aquele velho safado porque seu Onofre me acertou com um pedaço de pau. Acordei dois dias depois com um talho na cabeça e sem minha adorada Marcleide, que indignada com minha atitude destemperada, nunca mais quis saber de mim.
Linda, meiga, tímida e inteligente (por eu estar muito envolvido, talvez ela não fosse tão linda, tão meiga, tão tímida e tão inteligente assim), era uma moça prendada, que morava com os pais e passava boa parte de seu tempo cuidando do avô, este o pivô de nossa separação e responsável pelo término de uma relação que tinha tudo para ser eterna.
Namorávamos há meses quando Marcleide, impulsionada por sua inocência, me convidou a ir à sua casa conhecer sua família. Fiquei emocionado com o convite, e até tomei um banho para conhecer meus futuros sogros e avô. Ao chegar à humilde casa, que ficava apenas a alguns quilômetros da pensão do seu Vasco, fui recepcionado pelo terno sorriso de Marcleide e a companhia de seus simpáticos pais, seu Onofre e dona Jupira. Ao entrar, vi um cachorro magro e um senhor com um pijama de flanela sentado em uma poltrona antiga, bem no canto da sala. Era seu Juventino, o avô, que minha noiva tanto amava e queria levar junto quando nos casássemos. Imóvel, ele apenas fixava o olhar em mim. Marcleide já me alertara que seu vovô era surdo, mudo e não mexia um único membro (aquele, então, nem pensar). Assim, seu Juventino ficava lá, sentado, vendo o tempo passar (talvez imaginando que o velho fosse um móvel da casa, de vez em quando o cachorro dava umas mijadas nas pernas do coroa).
Sem a presença do velhinho, sentamos os quatro à mesa para o jantar; uma suculenta rabada com agrião e polenta. Após nos fartarmos, Marcleide tratou de alimentar seu avô, que continuava me sacando. Ele parecia até um boneco de cera. Marcleide enchia a colher com a iguaria, o velho abria a boa, mastigava a comida e engolia o bruto. Tudo isso sem tirar os olhos de mim. Eu seguia conversando com seu Onofre e dona Jupira, mas quando me virava pra trás, lá estava o velho me manjando. Aquilo começou a me incomodar um pouco e comentei com Marcleide, que disse para não me importar, pois o avô talvez estivesse me estranhando.
Quando eu já tinha me acostumado com o fato de estar sendo monitorado por uma múmia que abria a boca, senti no ar um cheiro horrível. Era impressionante a catinga, mas nem seu Onofre, nem dona Jupira pareciam se importar, muito menos Marcleide. Todos continuavam agindo normalmente, sem que nada estivesse acontecendo. Pensei que estava tendo uma alucinação olfativa (se é que isso existe), mas logo depois o cheiro ficou ainda pior. Virei para tentar me comunicar com minha noiva (eu não conseguia respirar e já estava perdendo os sentidos) e, mais uma vez, vi o velho me olhando, só que agora ele estava com um sorriso na boca entreaberta. Por um instante, achei que tivesse morrido e estava diante do capeta, mas voltei à consciência sem, no entanto, conseguir me expressar com Marcleide. Eu ouvia, ao longe, as vozes dos pais de minha noiva (parecia que eles estavam falando comigo), mas eu não conseguia entender nada. Meus movimentos foram ficando mais ralentados, e senti a nítida impressão que iria desmaiar. Em um último e desesperado movimento, joguei meu corpo para trás para pedir socorro à minha querida amada, porém o que vi me aterrorizou: Sempre com aquele sorriso no rosto, o velho foi tombando levemente para um dos lados e voltava a posição original, com o cachorro, magro que nem um faquir, saindo cambaleando pela sala com a boca aberta. Foi aí que ouvi a voz de Marcleide bem ao longe dizer: “Ah, amor, você não se importa com os gases do vovô, né?”. Foram as últimas palavras que ouvi antes de perder o sentido. Reanimado com um balde de água gelada na cara, me levantei que nem um touro enfurecido e, completamente descontrolado, parti pra cima do velho e comecei a esganá-lo. Só não matei aquele velho safado porque seu Onofre me acertou com um pedaço de pau. Acordei dois dias depois com um talho na cabeça e sem minha adorada Marcleide, que indignada com minha atitude destemperada, nunca mais quis saber de mim.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
Capítulo 14: Spidermóvel
Como vocês sabem, a criação deste blog é uma oportunidade para desfazer mitos e revelar à humanidade minha verdadeira história. Após longo tempo meditando em meu local de reclusão favorito (os Montes Tículos), volto para dar continuidade às revelações extraordinárias.
Depois de alguns meses morando no Rio, vi que era necessário ter um automóvel para dar continuidade à minha missão de salvar as pessoas dos mais terríveis perigos. Percebi isso quando seguia pelo alto de determinados bairros, usando minhas teias, e levava uma pá de pedradas. A molecada vibrava cada vez que me acertava. Até aí, tudo bem. Arrumei um capacete com um vizinho que era motoboy lá em Santa Cruz, e segui fazendo a festa da pivetada. Mas quando descobri que os garotos faziam pontuação, e acertar a parte da frente da sunga do Spider valia cem pratas, resolvi buscar uma alternativa mais segura.
Em uma bela noite, dei uma passadinha rápida no botequim do Seu Senta (um senhor que a moçada dizia ser meio baitola) e vi em uma das paredes o anúncio escrito à mão sobre uma rifa que correria na semana seguinte. Uma das atrações era um carro. Senti que o destino poderia estar me reservando uma grata surpresa. O anúncio ordenava a premiação: 5º prêmio – duas entradas para o show do grupo de pagode Suvaco Suado; 4º prêmio – uma noite na suíte do Motel Cafofo do Créu; 3º Prêmio – uma inacreditável Brasília azul ano 72 (equipada com volante de pau, rodas com carlotas de magnésio, teto suvinil; banco inclinável e um super som, com um tuíster e dois autofalanges); 2º Prêmio – um ferro elétrico Borel (feita no morro que dá nome à marca); 1º prêmio – um liquidificador Valita (com v mesmo).
Em um primeiro instante, achei um pouco estranho o carro ser somente o terceiro prêmio, mas não pensei duas vezes e coloquei as duas pratas (valor único) no balcão do bar do seu Senta, o idealizador da rifa. O resultado do esperado concurso não sairia pela Loteria Federal e sim numa popular mão no saco que rolaria nas dependências do estabelecimento.
No dia do evento, mal pude acreditar quando a bicha velh, quer dizer, seu Senta gritou meu nome como vencedor do terceiro prêmio. A multidão, eufórica, me carregou em triunfo pelo quarteirão (o mais feliz era seu Belarmino, um ex-escravo de 118 anos que iria levar a jovem esposa, de 87, para passar uma noite de luxúria no Cafofo do Créu).
Dois dias depois do sorteio da rifa, seu Vasco (dono da pensão onde eu morava), bateu na porta do meu quarto para me avisar que um cara tinha deixado um “troço azul de rodas” para mim em frente ao estabelecimento. Estranhei o recado, mas algo me dizia que poderia ser meu prêmio. Desci correndo as escadas e dei de cara com o possante. Por alguns segundos, fiquei parado diante daquela visão. Aí, então, pude entender a expressão INACREDITÁVEL que estava no anúncio para descrever aquele carro (carro?). Depois de uns 20 minutos tentando abrir a porta do lado do motorista,.finalmente consegui entrar em meu tão esperado prêmio. Ao sentar no banco, o encosto caiu, o que me permitiu um rolamento para a parte de trás. Devido à velocidade do movimento, não pude evitar ficar entalado, com as pernas encostadas no teto e meu nariz colado ao umbigo. A posição desconfortável me permitiu reparar (com o canto do olho) que o carro tinha uma espécie de teto solar: um buraco de cerca de 30 centímetros que proporcionava uma encantadora visão do céu de Santa Cruz. Com a ajuda de alguns amáveis pedestres, consegui sair daquela situação ridícula. Já com o banco devidamente preso com três voltas de barbante, pude me sentar, não tão confortavelmente como imaginava (ficava um pouco tombado para a direita). Pendurada no retrovisor havia uma bola de gude, que depois eu descobriria ser uma peça totalmente dispensável: Claro que nas laterais não havia espelhos, assim como não existia botão algum no super som. Uma coisa, no entanto, tenho de reconhecer: o volume do aparelho era alto pra cacete (pena que o dial ficou fixo na Rádio Relógio). Ah, já ia me esquecendo do estofamento: Não me refiro ao visual, mas ao aroma (certamente o antigo proprietário era pescador e vendia os peixes dentro do carro mesmo).Tomado de uma coragem própria dos super-heróis, resolvi estrear o carro e dar uma volta no bairro. Ao ligar o veículo, houve uma explosão tão forte, que pôde ser ouvida em vários bairros vizinhos. Felizmente, os estragos não atingiram meu automóvel, mas parte da população teve prejuízos significativos (o pai de seu Vasco tomou um susto tão grande que engoliu o copo de cana que estava bebendo). Com a Brasília “despertada”, engatei a primeira para dar início ao meu passeio de reconhecimento, mas houve novo imprevisto: o câmbio ficou na minha mão. Ligeiro como um raio, coloquei a peça de volta e pisei fundo. A bolinha de gude que pendia do retrovisor se fez presente; com uma velocidade impressionante, veio direto na minha testa, que ostentou um parrudo galo durante uns três dias. Arranquei aquela porcaria do espelho e zuni pela janela. Com muito cuidado, engatei a segunda. A criança resistiu bonito. Fui para a terceira marcha, e o carro seguia sem se desmontar. Destemido e cheio de marra, engatei a quarta e, segurando a porta para ela não abrir, consegui passar um garotinho que andava de bicicleta na calçada. Pronto, tinha início a história da valente Brasília azul, que para alguns pode ser o Spidermóvel, mas para mim será o eterno The Blue Thunder.
Depois de alguns meses morando no Rio, vi que era necessário ter um automóvel para dar continuidade à minha missão de salvar as pessoas dos mais terríveis perigos. Percebi isso quando seguia pelo alto de determinados bairros, usando minhas teias, e levava uma pá de pedradas. A molecada vibrava cada vez que me acertava. Até aí, tudo bem. Arrumei um capacete com um vizinho que era motoboy lá em Santa Cruz, e segui fazendo a festa da pivetada. Mas quando descobri que os garotos faziam pontuação, e acertar a parte da frente da sunga do Spider valia cem pratas, resolvi buscar uma alternativa mais segura.
Em uma bela noite, dei uma passadinha rápida no botequim do Seu Senta (um senhor que a moçada dizia ser meio baitola) e vi em uma das paredes o anúncio escrito à mão sobre uma rifa que correria na semana seguinte. Uma das atrações era um carro. Senti que o destino poderia estar me reservando uma grata surpresa. O anúncio ordenava a premiação: 5º prêmio – duas entradas para o show do grupo de pagode Suvaco Suado; 4º prêmio – uma noite na suíte do Motel Cafofo do Créu; 3º Prêmio – uma inacreditável Brasília azul ano 72 (equipada com volante de pau, rodas com carlotas de magnésio, teto suvinil; banco inclinável e um super som, com um tuíster e dois autofalanges); 2º Prêmio – um ferro elétrico Borel (feita no morro que dá nome à marca); 1º prêmio – um liquidificador Valita (com v mesmo).
Em um primeiro instante, achei um pouco estranho o carro ser somente o terceiro prêmio, mas não pensei duas vezes e coloquei as duas pratas (valor único) no balcão do bar do seu Senta, o idealizador da rifa. O resultado do esperado concurso não sairia pela Loteria Federal e sim numa popular mão no saco que rolaria nas dependências do estabelecimento.
No dia do evento, mal pude acreditar quando a bicha velh, quer dizer, seu Senta gritou meu nome como vencedor do terceiro prêmio. A multidão, eufórica, me carregou em triunfo pelo quarteirão (o mais feliz era seu Belarmino, um ex-escravo de 118 anos que iria levar a jovem esposa, de 87, para passar uma noite de luxúria no Cafofo do Créu).
Dois dias depois do sorteio da rifa, seu Vasco (dono da pensão onde eu morava), bateu na porta do meu quarto para me avisar que um cara tinha deixado um “troço azul de rodas” para mim em frente ao estabelecimento. Estranhei o recado, mas algo me dizia que poderia ser meu prêmio. Desci correndo as escadas e dei de cara com o possante. Por alguns segundos, fiquei parado diante daquela visão. Aí, então, pude entender a expressão INACREDITÁVEL que estava no anúncio para descrever aquele carro (carro?). Depois de uns 20 minutos tentando abrir a porta do lado do motorista,.finalmente consegui entrar em meu tão esperado prêmio. Ao sentar no banco, o encosto caiu, o que me permitiu um rolamento para a parte de trás. Devido à velocidade do movimento, não pude evitar ficar entalado, com as pernas encostadas no teto e meu nariz colado ao umbigo. A posição desconfortável me permitiu reparar (com o canto do olho) que o carro tinha uma espécie de teto solar: um buraco de cerca de 30 centímetros que proporcionava uma encantadora visão do céu de Santa Cruz. Com a ajuda de alguns amáveis pedestres, consegui sair daquela situação ridícula. Já com o banco devidamente preso com três voltas de barbante, pude me sentar, não tão confortavelmente como imaginava (ficava um pouco tombado para a direita). Pendurada no retrovisor havia uma bola de gude, que depois eu descobriria ser uma peça totalmente dispensável: Claro que nas laterais não havia espelhos, assim como não existia botão algum no super som. Uma coisa, no entanto, tenho de reconhecer: o volume do aparelho era alto pra cacete (pena que o dial ficou fixo na Rádio Relógio). Ah, já ia me esquecendo do estofamento: Não me refiro ao visual, mas ao aroma (certamente o antigo proprietário era pescador e vendia os peixes dentro do carro mesmo).Tomado de uma coragem própria dos super-heróis, resolvi estrear o carro e dar uma volta no bairro. Ao ligar o veículo, houve uma explosão tão forte, que pôde ser ouvida em vários bairros vizinhos. Felizmente, os estragos não atingiram meu automóvel, mas parte da população teve prejuízos significativos (o pai de seu Vasco tomou um susto tão grande que engoliu o copo de cana que estava bebendo). Com a Brasília “despertada”, engatei a primeira para dar início ao meu passeio de reconhecimento, mas houve novo imprevisto: o câmbio ficou na minha mão. Ligeiro como um raio, coloquei a peça de volta e pisei fundo. A bolinha de gude que pendia do retrovisor se fez presente; com uma velocidade impressionante, veio direto na minha testa, que ostentou um parrudo galo durante uns três dias. Arranquei aquela porcaria do espelho e zuni pela janela. Com muito cuidado, engatei a segunda. A criança resistiu bonito. Fui para a terceira marcha, e o carro seguia sem se desmontar. Destemido e cheio de marra, engatei a quarta e, segurando a porta para ela não abrir, consegui passar um garotinho que andava de bicicleta na calçada. Pronto, tinha início a história da valente Brasília azul, que para alguns pode ser o Spidermóvel, mas para mim será o eterno The Blue Thunder.
terça-feira, 25 de março de 2008
Capítulo 13: O casamento de Janjão
Após relembrar a aventura na casa abandonada (e fedorenta), precisei me ausentar por alguns dias a fim de fazer uma reciclagem intestinal (acho que me senti motivado pela lembrança daquela missão tão difícil). Meditando no trono, pude voltar no tempo e me recordar de um fato marcante na saga de Spider-Man, diria até um capítulo de realce na minha história.
Estava eu em um momento de leitura (havia acabado de comprar o Almanaque do Pateta), quando recebi uma ligação interurbana. Era meu grande amigo Edgar Barrão, dono do boteco, me convidando para o casamento de Solange.
Janjão era a única filha do bom e velho Barrão, que além de comerciante era o técnico do Segura Que Eu Largo, time de futebol de Quissamanduca, ao qual fazíamos parte eu, Pedro, Cipó, Paulinho Pinga Pura, Juvenil, Duduzinho Pirata e a própria Solange, uma zagueiraça que intimidava todos os atacantes adversários. Com seu 1,90m de altura, ela não era propriamente um primor de técnica, caracterizando-se pela “virilidade”, muitas vezes chegando à violência para contar os rivais. Outro detalhe que impressionava era o fato de Janjão abdicar do direito de usar chuteiras. Como não havia calçado na cidade que comportasse aquela chanca 47, ela jogava descalça (reza a lenda que, em casa, usava uma havaiana em cada dedo), o que tornava a unha do seu dedão uma autêntica lâmina enferrujada.
Bem, voltemos ao fio da navalha, quer dizer meada. Edgar Barrão ligara a fim de me convidar para o casamento de sua amada filha. Ele fazia questão de ressaltar que, para comemorar o enlace, promoveria uma festa inesquecível em Quissamanduca Town. Ansioso por rever meus grandes amigos de infância e adolescência, comprei a passagem de ônibus para o retorno à minha terrinha querida.
Agora preciso dar uma pausa para voltar a descrever tal meio de transporte (eu já tente fazer isso no capítulo 7). Pilotado por seu Fudêncio, popularmente conhecido por Schumaker, o busum saía do Rio sempre de 15 em 15 dias, pontualmente entre meia-noite e três da manhã. Nosferato, como nós chamávamos o valente ônibus modelo 73, estava excepcionalmente lotado (na vinda para a Cidade Maravilhosa, havia 97 pessoas, mas naquela noite foram 106, sendo que um passageiro levou seu Dog Alemão chamado Conan e outro fez questão de carregar sua cama de casal).
Regada ao som de muita música sertaneja, funk e heavy metal, a viagem seguiria tranqüila até chegarmos em Santa Rita da Casa do Carvalho. A cidade, que tinha na criação de calangos sua grande riqueza econômica, possuía uma estrada muito irregular. Quando chegávamos a uma subida, por exemplo, todos saltávamos e empurrávamos o ônibus preto até chegarmos ao trecho mais plano. Na descida, era a vez de escorarmos o possante Nosferato, que ficava somente com Schumaker ao volante e Conan como co-piloto. Os constantes balanços do veículo, inclusive, não faziam bem ao intestino do animal que, sem alternativas, disparava contínuas bufas silenciosas. Somados as fragrâncias de todos os passageiros, aqueles traques malditos tornavam o odor do ambiente indescritível. É importante ressaltar que, com o banheiro do ônibus interditado (há seis anos), seu Fudêncio disponibilizava penicos aos passageiros, porém somente 20 eram contemplados no bingo que ocorria logo no início da viagem.
Depois de dez dias de estrada, chegamos a Quissamanduca, que poderíamos classificar como o lugar onde o gato perdeu as meias (porque as botas ele perdeu bem antes). Logo fui reencontrando meus velhos amigos, um a um. Meu grande parceiro Paulinho Pinga Pura, no entanto, me deu uma triste notícia: sua mãe, dona Calibrina, havia falecido. Sua trágica morte abalou a comunidade quissamanduquense. Após degustar de quatro garrafas de caipirinha e duas jarras de Rabo de Galo, a pobre velhinha caminhou em direção ao trilho e, confundindo o trem com a irmã que não via há anos, resolveu dar um abraço fraterno na composição que vinha em alta velocidade em sua direção. Emocionado com a perda de figura tão ilustre, o prefeito Cornildo Manso (seguia no poder há mais de vinte anos) decidiu prestar uma singela homenagem à dona Calibrina batizando o alambique da cidade com o nome da querida senhora.
Voltando ao casamento, foi uma festa inesquecível. O já velhinho Frei Natanael, fraco com a bebida devido à idade avançada, tomou uns goros antes da cerimônia e causou furor entre as beatas de Quissa ao adentrar a igreja completamente nu. Reparado o acidente, o padre, que caiu duas vezes durante a cerimônia, emocionou a todos com seu sermão, lembrando, em tom de absoluta nostalgia, nossa época de criança, quando Solange, sempre peralta, batia na gente com uma ripa de madeira. Ao som de “Eu vou tirar você desse lugar”, sucesso retumbante de Odair José, Janjão entrou no recinto acompanhada do pai, seu Sem (ele perdeu braço direito ao acender um cigarro para a falecida dona Calibrina). Logo atrás, levando as alianças, nosso amigo Zeca Pebolim arrasava usando um meio-fraque cinza (alguns meninos inconseqüentes colocaram depois o pobre Pebolim em cima da geladeira da sacristia).
Após o sagrado sacramento, Solange e o noivo Rodovil seguiram para a lua-de-mel nas montanhas, mais propriamente no Morro Cambole, atração turística de Quissamanduca. Despediram-se dos convidados e seguiram para o chalé, carinhosamente denominado pela população como chulé.
Feliz por ter reencontrado meus amigos, eu já me preparava para retornar ao Rio quando Pedro me chamou para conversar, me comunicando o momento difícil que estava atravessando. Este, porém, é assunto para o próximo capítulo.
Estava eu em um momento de leitura (havia acabado de comprar o Almanaque do Pateta), quando recebi uma ligação interurbana. Era meu grande amigo Edgar Barrão, dono do boteco, me convidando para o casamento de Solange.
Janjão era a única filha do bom e velho Barrão, que além de comerciante era o técnico do Segura Que Eu Largo, time de futebol de Quissamanduca, ao qual fazíamos parte eu, Pedro, Cipó, Paulinho Pinga Pura, Juvenil, Duduzinho Pirata e a própria Solange, uma zagueiraça que intimidava todos os atacantes adversários. Com seu 1,90m de altura, ela não era propriamente um primor de técnica, caracterizando-se pela “virilidade”, muitas vezes chegando à violência para contar os rivais. Outro detalhe que impressionava era o fato de Janjão abdicar do direito de usar chuteiras. Como não havia calçado na cidade que comportasse aquela chanca 47, ela jogava descalça (reza a lenda que, em casa, usava uma havaiana em cada dedo), o que tornava a unha do seu dedão uma autêntica lâmina enferrujada.
Bem, voltemos ao fio da navalha, quer dizer meada. Edgar Barrão ligara a fim de me convidar para o casamento de sua amada filha. Ele fazia questão de ressaltar que, para comemorar o enlace, promoveria uma festa inesquecível em Quissamanduca Town. Ansioso por rever meus grandes amigos de infância e adolescência, comprei a passagem de ônibus para o retorno à minha terrinha querida.
Agora preciso dar uma pausa para voltar a descrever tal meio de transporte (eu já tente fazer isso no capítulo 7). Pilotado por seu Fudêncio, popularmente conhecido por Schumaker, o busum saía do Rio sempre de 15 em 15 dias, pontualmente entre meia-noite e três da manhã. Nosferato, como nós chamávamos o valente ônibus modelo 73, estava excepcionalmente lotado (na vinda para a Cidade Maravilhosa, havia 97 pessoas, mas naquela noite foram 106, sendo que um passageiro levou seu Dog Alemão chamado Conan e outro fez questão de carregar sua cama de casal).
Regada ao som de muita música sertaneja, funk e heavy metal, a viagem seguiria tranqüila até chegarmos em Santa Rita da Casa do Carvalho. A cidade, que tinha na criação de calangos sua grande riqueza econômica, possuía uma estrada muito irregular. Quando chegávamos a uma subida, por exemplo, todos saltávamos e empurrávamos o ônibus preto até chegarmos ao trecho mais plano. Na descida, era a vez de escorarmos o possante Nosferato, que ficava somente com Schumaker ao volante e Conan como co-piloto. Os constantes balanços do veículo, inclusive, não faziam bem ao intestino do animal que, sem alternativas, disparava contínuas bufas silenciosas. Somados as fragrâncias de todos os passageiros, aqueles traques malditos tornavam o odor do ambiente indescritível. É importante ressaltar que, com o banheiro do ônibus interditado (há seis anos), seu Fudêncio disponibilizava penicos aos passageiros, porém somente 20 eram contemplados no bingo que ocorria logo no início da viagem.
Depois de dez dias de estrada, chegamos a Quissamanduca, que poderíamos classificar como o lugar onde o gato perdeu as meias (porque as botas ele perdeu bem antes). Logo fui reencontrando meus velhos amigos, um a um. Meu grande parceiro Paulinho Pinga Pura, no entanto, me deu uma triste notícia: sua mãe, dona Calibrina, havia falecido. Sua trágica morte abalou a comunidade quissamanduquense. Após degustar de quatro garrafas de caipirinha e duas jarras de Rabo de Galo, a pobre velhinha caminhou em direção ao trilho e, confundindo o trem com a irmã que não via há anos, resolveu dar um abraço fraterno na composição que vinha em alta velocidade em sua direção. Emocionado com a perda de figura tão ilustre, o prefeito Cornildo Manso (seguia no poder há mais de vinte anos) decidiu prestar uma singela homenagem à dona Calibrina batizando o alambique da cidade com o nome da querida senhora.
Voltando ao casamento, foi uma festa inesquecível. O já velhinho Frei Natanael, fraco com a bebida devido à idade avançada, tomou uns goros antes da cerimônia e causou furor entre as beatas de Quissa ao adentrar a igreja completamente nu. Reparado o acidente, o padre, que caiu duas vezes durante a cerimônia, emocionou a todos com seu sermão, lembrando, em tom de absoluta nostalgia, nossa época de criança, quando Solange, sempre peralta, batia na gente com uma ripa de madeira. Ao som de “Eu vou tirar você desse lugar”, sucesso retumbante de Odair José, Janjão entrou no recinto acompanhada do pai, seu Sem (ele perdeu braço direito ao acender um cigarro para a falecida dona Calibrina). Logo atrás, levando as alianças, nosso amigo Zeca Pebolim arrasava usando um meio-fraque cinza (alguns meninos inconseqüentes colocaram depois o pobre Pebolim em cima da geladeira da sacristia).
Após o sagrado sacramento, Solange e o noivo Rodovil seguiram para a lua-de-mel nas montanhas, mais propriamente no Morro Cambole, atração turística de Quissamanduca. Despediram-se dos convidados e seguiram para o chalé, carinhosamente denominado pela população como chulé.
Feliz por ter reencontrado meus amigos, eu já me preparava para retornar ao Rio quando Pedro me chamou para conversar, me comunicando o momento difícil que estava atravessando. Este, porém, é assunto para o próximo capítulo.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Capítulo 12: Um herói humilde
Muitas vezes sou abordado na rua por fãs que me perguntam o que faço para manter o físico impecável. Claro que é necessária muita ginástica, mas uma alimentação adequada também é fundamental. Por isso, fiz um acordo com seu Vasco, dono da pensão onde moro, para que minhas refeições fossem balanceadas. Após um início um tanto quanto relutante, o português aceitou e, por um acréscimo de oitenta centavos por dia, passei a ter à disposição um cardápio diferenciado, com destaque para sexta-feira: angu, ovos cozidos e repolho.
Falando no meu prato favorito, uma iguaria conhecida em toda a região como Kriptonita, me recordei de um momento dramático, um dos mais difíceis que enfrentei até hoje, porém fundamental para ajudar a transformar minha história em uma lenda.
Depois de ter repetido quatro vezes a especialidade da pensão do Vasco, recebi um chamado para tentar encontrar uma pequena criança em Del Castilho. O pobre menininho se perdera dos pais e estava preso em uma casa abandonada, que para muitos era mal-assombrada. Imediatamente, parti para o local. Durante o trajeto, surgiu o primeiro indício de que algo terrível estaria por acontecer. Uma forte pontada um pouco abaixo do umbigo me fez refletir se não seria mais prudente um retorno estratégico a fim de descarregar o excesso de pressão. Minha responsabilidade de herói, no entanto, falou mais alto e resolvi seguir em frente.
Ao chegar no local, senti que minha elástica e justa roupa de Spider não tinha a aderência de costume. Percebi que transpirava muito e minha boca ressecara. E, para completar, um ensurdecedor som incomum parecia me acompanhar: sglooommmmb, sbluuunnnng, sblooonnng. Neste momento, admito que me desconcentrei um pouco e, por alguns segundos, pensei em outras coisas que, naquele instante, pareciam mais emergenciais, como um vaso sanitário.
Após uma rápida oração para São Juvêncio da Rolha, voltei a focar a missão. Com muito cuidado, entrei no recinto escuro à procura da criança, que deveria estar com fome e completamente apavorada. Com a visão totalmente prejudicada pela escuridão que assolava o velho casarão, fui caminhando lentamente, pois temia encontrar algum malfeitor ou até mesmo um monstro horrível, como um dragão (vi isso no primeiro filme do Shrek). Contraindo todos os músculos do meu corpo sarado (eu sentia um arrepio frio e intenso), seguia passo a passo, bem devagar, até que, de repente, o menino surgira do nada e: “Bu!!!”. A inesperada ação daquele filho da p, daquele menininho sapeca, provocou uma imediata reação da natureza, mais propriamente da minha natureza. Eu me recordo que a primeira sensação foi a de um peso absurdo na parte posterior da minha roupa, mais propriamente abaixo do quadril. Ainda aturdido com o que pressentia ter acontecido, confesso que perdi um pouco as rédeas da situação após o comentário que o inocente garoto fez: “Ih, tio, acho que você fez totô!”. Tomado de um rápido descontrole emocional, peguei o moleque pelo pescoço, mas o esforço despendido fez com que novo jato de dejetos deixasse as profundezas do meu ser e se alojasse nos reduzidíssimos espaços que restaram entre meu corpo e a justíssima roupa (que já passara a um tom levemente marrom).
Com as costas já cheias de merda, mas com minha tarefa concluída, que era encontrar o garoto (na realidade, foi ele quem me encontrou), faltava apenas colocá-lo em meus braços e deixar a casa, que imediatamente foi tomada por um cheiro indescritível. Ciente de que uma multidão aguardava a saída triunfal do Spider, achei de bom tom não me apresentar aos meus fãs da forma como me encontrava. Decidi, então, arremessar o menino por uma das janelas em direção ao povo, que se acotovelava em frente ao casarão, e, como um raio, saí pela parte dos fundos. No dia seguinte, os jornais de todo o planeta registraram mais um ato de bravura do Spider-Man, porém destacaram também a humildade do herói, que preferiu o anonimato às luzes do glamour e da fama.
Falando no meu prato favorito, uma iguaria conhecida em toda a região como Kriptonita, me recordei de um momento dramático, um dos mais difíceis que enfrentei até hoje, porém fundamental para ajudar a transformar minha história em uma lenda.
Depois de ter repetido quatro vezes a especialidade da pensão do Vasco, recebi um chamado para tentar encontrar uma pequena criança em Del Castilho. O pobre menininho se perdera dos pais e estava preso em uma casa abandonada, que para muitos era mal-assombrada. Imediatamente, parti para o local. Durante o trajeto, surgiu o primeiro indício de que algo terrível estaria por acontecer. Uma forte pontada um pouco abaixo do umbigo me fez refletir se não seria mais prudente um retorno estratégico a fim de descarregar o excesso de pressão. Minha responsabilidade de herói, no entanto, falou mais alto e resolvi seguir em frente.
Ao chegar no local, senti que minha elástica e justa roupa de Spider não tinha a aderência de costume. Percebi que transpirava muito e minha boca ressecara. E, para completar, um ensurdecedor som incomum parecia me acompanhar: sglooommmmb, sbluuunnnng, sblooonnng. Neste momento, admito que me desconcentrei um pouco e, por alguns segundos, pensei em outras coisas que, naquele instante, pareciam mais emergenciais, como um vaso sanitário.
Após uma rápida oração para São Juvêncio da Rolha, voltei a focar a missão. Com muito cuidado, entrei no recinto escuro à procura da criança, que deveria estar com fome e completamente apavorada. Com a visão totalmente prejudicada pela escuridão que assolava o velho casarão, fui caminhando lentamente, pois temia encontrar algum malfeitor ou até mesmo um monstro horrível, como um dragão (vi isso no primeiro filme do Shrek). Contraindo todos os músculos do meu corpo sarado (eu sentia um arrepio frio e intenso), seguia passo a passo, bem devagar, até que, de repente, o menino surgira do nada e: “Bu!!!”. A inesperada ação daquele filho da p, daquele menininho sapeca, provocou uma imediata reação da natureza, mais propriamente da minha natureza. Eu me recordo que a primeira sensação foi a de um peso absurdo na parte posterior da minha roupa, mais propriamente abaixo do quadril. Ainda aturdido com o que pressentia ter acontecido, confesso que perdi um pouco as rédeas da situação após o comentário que o inocente garoto fez: “Ih, tio, acho que você fez totô!”. Tomado de um rápido descontrole emocional, peguei o moleque pelo pescoço, mas o esforço despendido fez com que novo jato de dejetos deixasse as profundezas do meu ser e se alojasse nos reduzidíssimos espaços que restaram entre meu corpo e a justíssima roupa (que já passara a um tom levemente marrom).
Com as costas já cheias de merda, mas com minha tarefa concluída, que era encontrar o garoto (na realidade, foi ele quem me encontrou), faltava apenas colocá-lo em meus braços e deixar a casa, que imediatamente foi tomada por um cheiro indescritível. Ciente de que uma multidão aguardava a saída triunfal do Spider, achei de bom tom não me apresentar aos meus fãs da forma como me encontrava. Decidi, então, arremessar o menino por uma das janelas em direção ao povo, que se acotovelava em frente ao casarão, e, como um raio, saí pela parte dos fundos. No dia seguinte, os jornais de todo o planeta registraram mais um ato de bravura do Spider-Man, porém destacaram também a humildade do herói, que preferiu o anonimato às luzes do glamour e da fama.
terça-feira, 18 de março de 2008
Capítulo 11: “Ossos” do Ofício
Está sendo fantástica a experiência de registrar minhas memórias neste blog. O contato com vocês me permite mostrar a realidade da vida de um super-herói. Todo mundo pensa que é só glamour, mulheres bonitas e outros mimos produzidos pelas estórias contadas no cinema ou nas revistinhas em quadrinhos. Nada disso, é pauleira, mano! Para desempenhar com denodo a missão de salvar a humanidade, um super-herói de verdade tem de estar preparado para os percalços e as mazelas que a função exige.
Certa vez passeava pelo mercadão de Santa Cruz quando o celular tocou. Era uma voz feminina, aveludada, sedutora. Imediatamente, meu instinto de animal predador se fez presente. Do outro lado da linha, a moça implorava: “Preciso de você! Estou só, desprotegida e em perigo!”. Disparei em direção à cabine telefônica mais próxima a fim de colocar minha roupa de Spider. Entrei na primeira que avistei, mas tive de mudar de planos. Clark Kent chegara primeiro e colocava seu disfarce de Super-Homem. Aliás, quando abri a porta, meu amigo Clark estava só de sapato, meia e cueca samba-canção. Lamentável. Refeito do susto, consegui encontrar um terreno baldio, onde pude efetuar minha transformação.
Com o endereço anotado em um pedaço de guardanapo (quando ela ligou, eu estava comendo um x-tudo que comprara no Lanche Chelento, famoso point no bairro), segui em direção à casa da angelical moça. Ela disse que eu poderia chamá-la de Gi (como Gisele Bündchen) e revelou ter conseguido meu telefone por intermédio de um amigo comum que tínhamos no orkut (estamos todos na comunidade “Faço Bolinha com a Meleca”).
Chegando ao local, um prédio de três andares no agradável bairro de Belfort Roxo, avistei a janela do apartamento de Gi (como Giovanna Antonelli). Para que eu não me confundisse, ela me avisou que deixaria seu quarto à meia luz, com uma cortina para fora da janela. Decidido, mirei minhas teias para o teto do apê e invadi de forma triunfal aquele ninho de amor. Ao entrar, não avistei ninguém no quarto, mas logo em seguida ouvi a doce voz de Gi, quase em tom de súplica: “Fique à vontade, Spai (ele me chamou de Spai)! Estou indo!”. Fazendo um rápido reconhecimento no local, avistei uma cômoda com uns perfumes em cima, um lençol pendurado no cabideiro e uma enorme e convidativa cama que parecia me aguardar. Resolvi ceder aos apelos do clima que se instalou no recinto e deitei, limitando-me a fixar os olhos para a porta do quarto e aguardando a entrada de Gi. De repente, uma sombra foi surgindo na parede lateral do cômodo. E a sombra crescia, crescia, até chegar quase ao teto. Foi neste instante que Gi se fez presente, e, olhando-me bem no fundo dos meus olhos, sussurrou: “Cheguei!”. Não sei se conseguirei descrever os sentimentos vividos por mim naquele instante. Eram aproximadamente 200 quilos distribuídos em uma área de quase dois metros de altura e outros dois de profundidade. Gi, que na realidade se chamava Givanilda, vestia uma camisola vermelha e foi se aproximando até o cabideiro. Foi aí que percebi que o que estava pendurado no móvel não era um lençol, e sim um roupão. Inevitavelmente, me recordei da minha infância, quando uma vez quase foi atacado por uma vaca que se perdera da manada.
Voltando à realidade, tentei argumentar com Mimosa, quer dizer Givanilda, que aquilo tudo era um grande engano, que não estava acontecendo, mas foi em vão. Tomada de uma volúpia incontrolável, aquela criatura se jogou (eu disse se jogou) na minha direção. Utilizando uma técnica que aprendi com meu parceiro The Flash, saí literalmente como um raio da cama, que, insuficiente para suportar a carga que se aproximava (tal como o Titanic e o iceberg), cedeu, assim como o chão do quarto. Givanilda e sua cama foram parar no andar de baixo, caindo justamente em cima de um casal de velhinhos que ficaram “soterrados” sob os rebocos do teto, o que sobrou da cama e a possante Gi.
O estrondo provocado pelo acidente foi tanto, que os demais moradores deixaram desesperadamente o prédio. Aos gritos, as pessoas diziam que se tratava de um novo ataque da Al-Qaeda (os mais religiosos afirmavam ser o fim do mundo mesmo). Olhando pela cratera que se formou no quarto, só consegui ver Givanilda, de bruços, sobre o que sobrou da pobre cama e dos desafortunados velhinhos. Fazendo valer minha condição de super-herói, tive de entrar em ação. Minha primeira idéia para salvar o casal de idosos era implodir a gordona, mas até encontrar quantidade suficiente de dinamite para o serviço, morreriam sufocados. A defesa civil também estava descartada, porque demoraria a chegar. Então, não havia outro jeito, tive de entrar em ação. Com toda a minha força, segurei Gi pela parte traseira (não posso chamar aquilo de bumbum) e puxei, jogando o bruto para o lado. Nada tirará da minha lembrança os semblantes de alívio demonstrados por seu Agripino e dona Genoveva ao se sentirem livres. Felizmente, sem o peso daquele globo terrestre em cima, os velhinhos (com algumas seqüelas de caráter emocional) conseguiram sobreviver...e eu também.
Certa vez passeava pelo mercadão de Santa Cruz quando o celular tocou. Era uma voz feminina, aveludada, sedutora. Imediatamente, meu instinto de animal predador se fez presente. Do outro lado da linha, a moça implorava: “Preciso de você! Estou só, desprotegida e em perigo!”. Disparei em direção à cabine telefônica mais próxima a fim de colocar minha roupa de Spider. Entrei na primeira que avistei, mas tive de mudar de planos. Clark Kent chegara primeiro e colocava seu disfarce de Super-Homem. Aliás, quando abri a porta, meu amigo Clark estava só de sapato, meia e cueca samba-canção. Lamentável. Refeito do susto, consegui encontrar um terreno baldio, onde pude efetuar minha transformação.
Com o endereço anotado em um pedaço de guardanapo (quando ela ligou, eu estava comendo um x-tudo que comprara no Lanche Chelento, famoso point no bairro), segui em direção à casa da angelical moça. Ela disse que eu poderia chamá-la de Gi (como Gisele Bündchen) e revelou ter conseguido meu telefone por intermédio de um amigo comum que tínhamos no orkut (estamos todos na comunidade “Faço Bolinha com a Meleca”).
Chegando ao local, um prédio de três andares no agradável bairro de Belfort Roxo, avistei a janela do apartamento de Gi (como Giovanna Antonelli). Para que eu não me confundisse, ela me avisou que deixaria seu quarto à meia luz, com uma cortina para fora da janela. Decidido, mirei minhas teias para o teto do apê e invadi de forma triunfal aquele ninho de amor. Ao entrar, não avistei ninguém no quarto, mas logo em seguida ouvi a doce voz de Gi, quase em tom de súplica: “Fique à vontade, Spai (ele me chamou de Spai)! Estou indo!”. Fazendo um rápido reconhecimento no local, avistei uma cômoda com uns perfumes em cima, um lençol pendurado no cabideiro e uma enorme e convidativa cama que parecia me aguardar. Resolvi ceder aos apelos do clima que se instalou no recinto e deitei, limitando-me a fixar os olhos para a porta do quarto e aguardando a entrada de Gi. De repente, uma sombra foi surgindo na parede lateral do cômodo. E a sombra crescia, crescia, até chegar quase ao teto. Foi neste instante que Gi se fez presente, e, olhando-me bem no fundo dos meus olhos, sussurrou: “Cheguei!”. Não sei se conseguirei descrever os sentimentos vividos por mim naquele instante. Eram aproximadamente 200 quilos distribuídos em uma área de quase dois metros de altura e outros dois de profundidade. Gi, que na realidade se chamava Givanilda, vestia uma camisola vermelha e foi se aproximando até o cabideiro. Foi aí que percebi que o que estava pendurado no móvel não era um lençol, e sim um roupão. Inevitavelmente, me recordei da minha infância, quando uma vez quase foi atacado por uma vaca que se perdera da manada.
Voltando à realidade, tentei argumentar com Mimosa, quer dizer Givanilda, que aquilo tudo era um grande engano, que não estava acontecendo, mas foi em vão. Tomada de uma volúpia incontrolável, aquela criatura se jogou (eu disse se jogou) na minha direção. Utilizando uma técnica que aprendi com meu parceiro The Flash, saí literalmente como um raio da cama, que, insuficiente para suportar a carga que se aproximava (tal como o Titanic e o iceberg), cedeu, assim como o chão do quarto. Givanilda e sua cama foram parar no andar de baixo, caindo justamente em cima de um casal de velhinhos que ficaram “soterrados” sob os rebocos do teto, o que sobrou da cama e a possante Gi.
O estrondo provocado pelo acidente foi tanto, que os demais moradores deixaram desesperadamente o prédio. Aos gritos, as pessoas diziam que se tratava de um novo ataque da Al-Qaeda (os mais religiosos afirmavam ser o fim do mundo mesmo). Olhando pela cratera que se formou no quarto, só consegui ver Givanilda, de bruços, sobre o que sobrou da pobre cama e dos desafortunados velhinhos. Fazendo valer minha condição de super-herói, tive de entrar em ação. Minha primeira idéia para salvar o casal de idosos era implodir a gordona, mas até encontrar quantidade suficiente de dinamite para o serviço, morreriam sufocados. A defesa civil também estava descartada, porque demoraria a chegar. Então, não havia outro jeito, tive de entrar em ação. Com toda a minha força, segurei Gi pela parte traseira (não posso chamar aquilo de bumbum) e puxei, jogando o bruto para o lado. Nada tirará da minha lembrança os semblantes de alívio demonstrados por seu Agripino e dona Genoveva ao se sentirem livres. Felizmente, sem o peso daquele globo terrestre em cima, os velhinhos (com algumas seqüelas de caráter emocional) conseguiram sobreviver...e eu também.
segunda-feira, 17 de março de 2008
Ventania
Capítulo 10: Montes Tículos, a Morada da Sabedoria
Para que conheçam a fundo toda a saga do verdadeiro Spider-Man, é necessário que entendam antes os elementos que me tornaram este ser tão especial. Meu poder não se restringe somente à força, agilidade e ao charme irresistível. Tudo isso de nada adiantaria se não possuísse uma extraordinária capacidade intelectual e intuitiva, adquirida através de meus periódicos retiros espirituais em Montes Tículos, situados na região setentrional de Madagascar
Meus momentos de reflexão ocorrem no Convento dos Capuchinhos Alienígenas ou, em casos mais extremos, no pico mais alto dos Montes Tículos. É justamente para lá que sigo quando preciso me preparar para as missões mais árduas e perigosas.
Lembro-me bem de uma ocasião em que tive de tirar um mendigo chamado Ventania de dentro de um fusca velho (ele dormia no carro e, como as portas e os vidros emperraram, não conseguia sair, respirando por intermédio de um canudinho). O veículo (um modelo que deve ter sido produzido no ano 12, Antes de Cristo), era para ser branco, mas ficara verde de tanto lodo (a população carinhosamente chamava o carrinho de “Floresta da Tijuca”, em homenagem ao bairro da Zona Norte do Rio, ou “Grilomóvel”). O problema, entretanto, não era o resgate propriamente dito, e sim o que emanava de Ventania que, segundo informações de antigos moradores tijucanos, tomara seu último banho em meados dos anos 90.
Como tinha ciência de que a atividade que me esperava seria hercúlea, parti para um período de alguns dias de reclusão (o mendigo que segurasse a onda dele e aguardasse). Monge Nésio, autoridade máxima entre os Capuchinhos Alienígenas, me aconselhou a subir e fazer a meditação grau 10, considerada polimultiarquisuperhiper eficaz para casos como este. Inicialmente, tive de subir, durante três dias e três noites, o Pico Ledemanga, o mais alto e gélido de toda a região. Após chegar ao cume, precisei completar minha segunda tarefa: encontrar um montinho de urtiga e uma margarida (impressionante, apesar da temperatura havia vegetação no local). Conseguindo o objetivo, tive de tirar toda a roupa, sentar nu sobre o chumaço de urtiga e, sempre segurando com a mão direita a cândida flor, mentalizar o nome dos participantes de todas as edições do Big Brother Brasil. Após seis horas na mesma posição (a tarefa exigia somente 10 minutos, mas eu congelei e tive muitas dificuldades para me levantar), encerrei meu propósito e retornei à amada Cidade Maravilhosa, para salvar Ventania.
Sentindo-me imbatível (mas com a bunda em estado lamentável), me postei em frente à porta do carona e olhei para o interior do fusca. A imagem que visualizei era dramática: a expressão petrificada do mendigo, com o rosto colado ao vidro, nariz achatado e a boca aberta, deixando à mostra seus três dentes (um tinha só a metade). Revitalizado pelo meu período em Montes Tículos, me aproximei da lateral do carro verde e, fazendo-me valer de toda minha força, puxei a porta de uma só vez. Fui parar no outro quarteirão, pois a maçaneta estava podre e parti para uma rápida viagem de uns 300 metros (felizmente havia um caminhão de lixo que impediu que eu caísse na Baía de Guanabara). De volta, fui para o outro lado do veículo e, com muita destreza, dei uma porrada no vidro da porta do lado do motorista. Foi exatamente neste instante que todo o ar engarrafado há dias no interior daquele que um dia já foi um meio de transporte veio em minha direção, assim como Ventania que, desesperado, se pendurou no meu pescoço, me fazendo cair dentro do fusca. Se existe algo que eu pudesse comparar com aquele ambiente no automóvel, é um pântano repleto de carniça.
Aliás, não era somente Ventania que habitava aquele carro; havia um cachorro meio vermelho, meio marrom, meio verde (conseqüência do lodo e, certamente, do bafo e do chulé do mendigo), que atendia pelo nome de Lord. A expressão do cãozinho dava dó: o bicho tava magro, tinha uns dois ou três dentes a mais que Ventania e parecia assustado. Inclusive, ao me ver sendo puxado para dentro do fusca, Lord se desesperou e deixou escapar um punzinho que, somado ao cheiro inacreditável que insistia em permanecer no ambiente, me fez perder os sentidos por alguns instantes. Depois de uns segundos desacordado (tenho a nítida impressão de que vi Jesus), me recuperei e, com muito esforço, consegui segurar o lado externo da porta com o braço esquerdo e com o direito lançar o cachorro fedorento para fora. A partir daí éramos somente Ventania e eu. Sob os gritos do povo que, por causa do cheiro, queria que incinerassem o fusca (comigo dentro), me atraquei com o pinguço para poder sair do carro e não ser queimado vivo lá dentro. Confesso que estava com alguma dificuldade para me livrar daquela situação, até que, inadvertidamente, Ventania encaixou sua axila direita na minha cara, mais propriamente colada à minha região nasal. Com lágrimas nos olhos, retirei força do além (e de um pouco mais adiante) e consegui me atirar janela afora, juntamente com aquela criatura, que parecia estar em avançado estado de putrefação. Já sem a presença da multidão (que fugira por causa da catinga que embaçou Tijuca por uma semana) e impossibilitado de usar alguns de meus poderes de Spider (ao me atracar com o mendigo, minhas teias enrolaram e entupiram o buraquinho nos pulsos), me levantei do chão e, cambaleante (ainda sob o efeito do futum atômico), peguei o 489 (Tijuca-Santa Cruz), retornando para casa. Para me livrar do aroma que tomou conta do meu ser, antes de ir para meu aconchegante lar, fui à "Lavanderia Laudrolava Self-Service Você Mesmo", comprei logo cinco fichinhas e mergulhei na primeira máquina de lavar disponível para que esta difícil missão permanecesse somente na minha memória.
Meus momentos de reflexão ocorrem no Convento dos Capuchinhos Alienígenas ou, em casos mais extremos, no pico mais alto dos Montes Tículos. É justamente para lá que sigo quando preciso me preparar para as missões mais árduas e perigosas.
Lembro-me bem de uma ocasião em que tive de tirar um mendigo chamado Ventania de dentro de um fusca velho (ele dormia no carro e, como as portas e os vidros emperraram, não conseguia sair, respirando por intermédio de um canudinho). O veículo (um modelo que deve ter sido produzido no ano 12, Antes de Cristo), era para ser branco, mas ficara verde de tanto lodo (a população carinhosamente chamava o carrinho de “Floresta da Tijuca”, em homenagem ao bairro da Zona Norte do Rio, ou “Grilomóvel”). O problema, entretanto, não era o resgate propriamente dito, e sim o que emanava de Ventania que, segundo informações de antigos moradores tijucanos, tomara seu último banho em meados dos anos 90.
Como tinha ciência de que a atividade que me esperava seria hercúlea, parti para um período de alguns dias de reclusão (o mendigo que segurasse a onda dele e aguardasse). Monge Nésio, autoridade máxima entre os Capuchinhos Alienígenas, me aconselhou a subir e fazer a meditação grau 10, considerada polimultiarquisuperhiper eficaz para casos como este. Inicialmente, tive de subir, durante três dias e três noites, o Pico Ledemanga, o mais alto e gélido de toda a região. Após chegar ao cume, precisei completar minha segunda tarefa: encontrar um montinho de urtiga e uma margarida (impressionante, apesar da temperatura havia vegetação no local). Conseguindo o objetivo, tive de tirar toda a roupa, sentar nu sobre o chumaço de urtiga e, sempre segurando com a mão direita a cândida flor, mentalizar o nome dos participantes de todas as edições do Big Brother Brasil. Após seis horas na mesma posição (a tarefa exigia somente 10 minutos, mas eu congelei e tive muitas dificuldades para me levantar), encerrei meu propósito e retornei à amada Cidade Maravilhosa, para salvar Ventania.
Sentindo-me imbatível (mas com a bunda em estado lamentável), me postei em frente à porta do carona e olhei para o interior do fusca. A imagem que visualizei era dramática: a expressão petrificada do mendigo, com o rosto colado ao vidro, nariz achatado e a boca aberta, deixando à mostra seus três dentes (um tinha só a metade). Revitalizado pelo meu período em Montes Tículos, me aproximei da lateral do carro verde e, fazendo-me valer de toda minha força, puxei a porta de uma só vez. Fui parar no outro quarteirão, pois a maçaneta estava podre e parti para uma rápida viagem de uns 300 metros (felizmente havia um caminhão de lixo que impediu que eu caísse na Baía de Guanabara). De volta, fui para o outro lado do veículo e, com muita destreza, dei uma porrada no vidro da porta do lado do motorista. Foi exatamente neste instante que todo o ar engarrafado há dias no interior daquele que um dia já foi um meio de transporte veio em minha direção, assim como Ventania que, desesperado, se pendurou no meu pescoço, me fazendo cair dentro do fusca. Se existe algo que eu pudesse comparar com aquele ambiente no automóvel, é um pântano repleto de carniça.
Aliás, não era somente Ventania que habitava aquele carro; havia um cachorro meio vermelho, meio marrom, meio verde (conseqüência do lodo e, certamente, do bafo e do chulé do mendigo), que atendia pelo nome de Lord. A expressão do cãozinho dava dó: o bicho tava magro, tinha uns dois ou três dentes a mais que Ventania e parecia assustado. Inclusive, ao me ver sendo puxado para dentro do fusca, Lord se desesperou e deixou escapar um punzinho que, somado ao cheiro inacreditável que insistia em permanecer no ambiente, me fez perder os sentidos por alguns instantes. Depois de uns segundos desacordado (tenho a nítida impressão de que vi Jesus), me recuperei e, com muito esforço, consegui segurar o lado externo da porta com o braço esquerdo e com o direito lançar o cachorro fedorento para fora. A partir daí éramos somente Ventania e eu. Sob os gritos do povo que, por causa do cheiro, queria que incinerassem o fusca (comigo dentro), me atraquei com o pinguço para poder sair do carro e não ser queimado vivo lá dentro. Confesso que estava com alguma dificuldade para me livrar daquela situação, até que, inadvertidamente, Ventania encaixou sua axila direita na minha cara, mais propriamente colada à minha região nasal. Com lágrimas nos olhos, retirei força do além (e de um pouco mais adiante) e consegui me atirar janela afora, juntamente com aquela criatura, que parecia estar em avançado estado de putrefação. Já sem a presença da multidão (que fugira por causa da catinga que embaçou Tijuca por uma semana) e impossibilitado de usar alguns de meus poderes de Spider (ao me atracar com o mendigo, minhas teias enrolaram e entupiram o buraquinho nos pulsos), me levantei do chão e, cambaleante (ainda sob o efeito do futum atômico), peguei o 489 (Tijuca-Santa Cruz), retornando para casa. Para me livrar do aroma que tomou conta do meu ser, antes de ir para meu aconchegante lar, fui à "Lavanderia Laudrolava Self-Service Você Mesmo", comprei logo cinco fichinhas e mergulhei na primeira máquina de lavar disponível para que esta difícil missão permanecesse somente na minha memória.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Capítulo 9: Festa de Arromba
Ainda com areia nos ouvidos, demorei uns 20 dias pra me recuperar do caldo homérico que levei em meu primeiro contato com a praia no Rio de Janeiro. Mas com o passar do tempo, já estava me familiarizado com os encantos e as novidades da Cidade Maravilhosa. Ainda não tinha usado minha roupa de Spider e, controlando a ansiedade, aguardei o momento certo para estreá-la. Até que em uma noite de maio, decidi que chegara o grande dia.
Coloquei me disfarce e, disparando minhas teias, segui de prédio em prédio, sempre atento a algum ato criminoso ou pedido de socorro de alguma alma indefesa. Então, quando passava por uma vila, escutei gritos histéricos que partiam de uma das casas. À medida que me aproximava do local, mais intensos ficavam os sons, que pareciam emitidos por senhoras idosas. Como um relâmpago, entrei pela janela, estilhaçando os vidros, e caí de costas no chão da sala. De repente, me deparei com umas 20 velhinhas que me olhavam com fisionomias assustadas. Em fração de segundo, as expressões passaram a ser de euforia e os gritos retornaram, agora ainda mais histéricos. Um delas berrou: “O presente chegou! O presente chegou!”. Sem entender nada, me levantei e, quando me preparava para perguntar se estavam todas bem, levei uma gravata que me derrubou novamente. Logo em seguida, quase todas as velhas pularam em cima de mim e começaram a tentar tirar minha roupa. Nesse momento, apesar da confusão de braços e pernas em cima de mim, consegui ouvir uma deles dizer: “Vai ter clube das mulheres!”. Foi exatamente neste instante que percebi a dramaticidade. Aquele grupo de senhoras ensandecidas (a mais novinha devia ter uns 75 anos) imaginava que eu era um streeper e daria um show pra elas como presente ao centenário de uma delas.
Tentando me proteger como dava (heroicamente consegui evitar que aqueles taradas arrancassem minha sunga), busquei uma brecha pra escapar daquele grupo alucinado). De repente, percebi que a velhinha aniversariante havia pego o meu pé direito começou a morder o dedão. Meu Deus, o contato da gengiva (não havia um dente sequer na boca daquela pessoa) com a pele do meu dedo me fez entrar numa crise de riso incontrolável. Eu tentava me livrar, mas aquela boca cheia de baba não tirava meu dedão de dentro. Até que, com a ajuda divina, consegui, com o outro pé, acertar a cara da anciã insaciável, que foi parar na varanda da casa. Aproveitando a ligeira distração das demais que foram acudir a companheira, me levantei todo rasgado e varei a janela já sem vidros devido à minha entrada triunfal.
Com o relato deste episódio, fiz questão apenas de registrar o quanto foi difícil para que eu me adaptasse às rotinas de uma cidade grande, bem diferentes do cotidiano pacato da minha querida Quissamanduca.
Coloquei me disfarce e, disparando minhas teias, segui de prédio em prédio, sempre atento a algum ato criminoso ou pedido de socorro de alguma alma indefesa. Então, quando passava por uma vila, escutei gritos histéricos que partiam de uma das casas. À medida que me aproximava do local, mais intensos ficavam os sons, que pareciam emitidos por senhoras idosas. Como um relâmpago, entrei pela janela, estilhaçando os vidros, e caí de costas no chão da sala. De repente, me deparei com umas 20 velhinhas que me olhavam com fisionomias assustadas. Em fração de segundo, as expressões passaram a ser de euforia e os gritos retornaram, agora ainda mais histéricos. Um delas berrou: “O presente chegou! O presente chegou!”. Sem entender nada, me levantei e, quando me preparava para perguntar se estavam todas bem, levei uma gravata que me derrubou novamente. Logo em seguida, quase todas as velhas pularam em cima de mim e começaram a tentar tirar minha roupa. Nesse momento, apesar da confusão de braços e pernas em cima de mim, consegui ouvir uma deles dizer: “Vai ter clube das mulheres!”. Foi exatamente neste instante que percebi a dramaticidade. Aquele grupo de senhoras ensandecidas (a mais novinha devia ter uns 75 anos) imaginava que eu era um streeper e daria um show pra elas como presente ao centenário de uma delas.
Tentando me proteger como dava (heroicamente consegui evitar que aqueles taradas arrancassem minha sunga), busquei uma brecha pra escapar daquele grupo alucinado). De repente, percebi que a velhinha aniversariante havia pego o meu pé direito começou a morder o dedão. Meu Deus, o contato da gengiva (não havia um dente sequer na boca daquela pessoa) com a pele do meu dedo me fez entrar numa crise de riso incontrolável. Eu tentava me livrar, mas aquela boca cheia de baba não tirava meu dedão de dentro. Até que, com a ajuda divina, consegui, com o outro pé, acertar a cara da anciã insaciável, que foi parar na varanda da casa. Aproveitando a ligeira distração das demais que foram acudir a companheira, me levantei todo rasgado e varei a janela já sem vidros devido à minha entrada triunfal.
Com o relato deste episódio, fiz questão apenas de registrar o quanto foi difícil para que eu me adaptasse às rotinas de uma cidade grande, bem diferentes do cotidiano pacato da minha querida Quissamanduca.
terça-feira, 11 de março de 2008
Troféu Cigano Igor (Claudio Heinrich)
Poucas vezes se viu aptidão tão grande na teledramaturgia mundial. Com início fulgurante como paquito (função de absoluta relevância para o sucesso dos programas de Xuxa, a Rainha dos Baixinhos), Cláudio Heinrich foi responsável pela popularização de personagens inesquecíveis como o..., aquele outro e também o...A dicção perfeita e o olhar penetrante são suas marcas registradas. A emoção que transmite com suas interpretações também merece louvor e o referendou ao tão desejado prêmio
Capítulo 8: Como uma Onda no Mar
Minha primeira residência em terras cariocas foi em um bairro muito agradável chamado Santa Cruz, cujo clima é muito semelhante ao da Namíbia, na África. As temperaturas variavam entre 35 graus (no inverno) a 68 (no verão). Eu dividia uma quitinete com outras seis pessoas, o que tornava as condições climáticas do ambiente muito próximas das que devem ser encontradas no inferno (houve uma noite tão insuportável de quente que realmente acreditei ter visto o capeta).
Em uma conversa informal com algumas pessoas muito simpáticas que conheci em um local onde eu almoçava todos os dias, o Sopão Feliz, decidi conhecer a Zona Sul, principalmente algumas de suas praias tão conhecidas. Como a única sunga que tinha era a do Spider (evidente que aquela que parecia um chaveiro eu dei pro Pebolim, que ainda reclamou de estar apertada), coloquei meu short preferido (era um que tinha várias imagens do Pateta), uma camiseta regata que ganhei numa promoção das Casas do Pano (a mais famosa butique de Quissamanduca), calcei meus chinelos e parti rumo ao Leblon, um dos locais mais chiques da cidade.
Como eu ainda não conhecia o Rio direito, tive alguma dificuldade para chegar ao famoso bairro. Depois de pegar 12 ônibus, porém, finalmente ao meio-dia estava no Leblon (previdente, saí de casa às 4 da manhã). Encantado com as lindas mulheres que desfilavam na areia quente (acabei de me lembrar da melhor banda de rock’n roll dos anos 80), procurei encontrar uma cantinho para que pudesse sentar e apreciar as riquezas oferecidas pela mãe natureza..
Absolutamente hipnotizado com a imensidão do azul do mar (salve Tim!), eu olhava aquela calmaria quase celeste e me recordava dos alegres banhos no lago de Quissamanduca (eu saía da água todo verde e sebento por causa do lodo). Uma lágrima solitária de saudosismo escorria do canto de meu olho direito quando avistei um menino se afogando. Com meu instinto de super-herói destemido, levantei-me rapidamente e parti correndo em direção daquele pobre indefeso. Ao entrar como um raio na água, tropecei e bati com os córneos no raso. Prontamente, porém cheio de areia na boca e no nariz, me recuperei e segui para minha missão. Estava dando pé, o que facilitou um pouco minha tarefa. Consegui pegar o garoto e ficamos em um banco de areia (um local bem rasinho que fica entre a beira e a arrebentação das ondas). Foi aí que ocorreu um pequeno percalço, que tornou meu salvamento dramático. Eu conversava com o menino e me preparava para levá-lo de volta à beira quando senti algo se aproximando de mim. Virei lentamente para trás e, por conseqüência, para o alto, porque a onda que já se encontrava a um metro de mim parecia um prédio de seis andares. Em um instinto super-heróico, peguei o garotinho pra protegê-lo e senti aquele impacto, que varreu tudo que tinha pela frente. Neste exato momento, tive a exata noção de como se sente uma calça jeans dentro de uma máquina de lavar. Eu rodava e virava numa viagem alucinante. Em um determinado momento, consegui olhar para frente e o que avistei aumentou ainda mais o meu tormento: justamente na minha direção, uma senhora, que devia pesar algo próximo dos 200 quilos, se banhava inadvertidamente com um baldinho. Com uma velocidade espantosa, aquela onda sinistra me projetou (não me perguntem como, mas eu conseguia segurar uma das mãos do moleque) em direção à parte traseira do mamute, perdão, da moça que pegava água com o singelo balde amarelo. A visão daquela imagem me fez, por alguns parcos segundos, repensar a vida. Ciente do impacto inevitável, apenas pedia a Deus que tivesse piedade de minha alma. Como se eu fosse uma bala de canhão, meu rosto foi direto de encontro à busanfa gigante da velha. Numa reação de puro reflexo, agarrei aquela montanha de carne e fomos todos juntos (eu, o moleque e a gordona) em direção à beira. Já sem a força de antes, a onda apenas nos largou na areia, mas as conseqüências foram dramáticas. Como uma baleia encalhada, a senhora era reanimada por algumas das centenas de banhistas que presenciaram a cena; o menino foi resgatado de um buraco de uns dez metros de profundidade; e eu, de bruços e com o short do pateta na canela, demorei cerca de cinco minutos pra conseguir lembrar o meu nome.
Em uma conversa informal com algumas pessoas muito simpáticas que conheci em um local onde eu almoçava todos os dias, o Sopão Feliz, decidi conhecer a Zona Sul, principalmente algumas de suas praias tão conhecidas. Como a única sunga que tinha era a do Spider (evidente que aquela que parecia um chaveiro eu dei pro Pebolim, que ainda reclamou de estar apertada), coloquei meu short preferido (era um que tinha várias imagens do Pateta), uma camiseta regata que ganhei numa promoção das Casas do Pano (a mais famosa butique de Quissamanduca), calcei meus chinelos e parti rumo ao Leblon, um dos locais mais chiques da cidade.
Como eu ainda não conhecia o Rio direito, tive alguma dificuldade para chegar ao famoso bairro. Depois de pegar 12 ônibus, porém, finalmente ao meio-dia estava no Leblon (previdente, saí de casa às 4 da manhã). Encantado com as lindas mulheres que desfilavam na areia quente (acabei de me lembrar da melhor banda de rock’n roll dos anos 80), procurei encontrar uma cantinho para que pudesse sentar e apreciar as riquezas oferecidas pela mãe natureza..
Absolutamente hipnotizado com a imensidão do azul do mar (salve Tim!), eu olhava aquela calmaria quase celeste e me recordava dos alegres banhos no lago de Quissamanduca (eu saía da água todo verde e sebento por causa do lodo). Uma lágrima solitária de saudosismo escorria do canto de meu olho direito quando avistei um menino se afogando. Com meu instinto de super-herói destemido, levantei-me rapidamente e parti correndo em direção daquele pobre indefeso. Ao entrar como um raio na água, tropecei e bati com os córneos no raso. Prontamente, porém cheio de areia na boca e no nariz, me recuperei e segui para minha missão. Estava dando pé, o que facilitou um pouco minha tarefa. Consegui pegar o garoto e ficamos em um banco de areia (um local bem rasinho que fica entre a beira e a arrebentação das ondas). Foi aí que ocorreu um pequeno percalço, que tornou meu salvamento dramático. Eu conversava com o menino e me preparava para levá-lo de volta à beira quando senti algo se aproximando de mim. Virei lentamente para trás e, por conseqüência, para o alto, porque a onda que já se encontrava a um metro de mim parecia um prédio de seis andares. Em um instinto super-heróico, peguei o garotinho pra protegê-lo e senti aquele impacto, que varreu tudo que tinha pela frente. Neste exato momento, tive a exata noção de como se sente uma calça jeans dentro de uma máquina de lavar. Eu rodava e virava numa viagem alucinante. Em um determinado momento, consegui olhar para frente e o que avistei aumentou ainda mais o meu tormento: justamente na minha direção, uma senhora, que devia pesar algo próximo dos 200 quilos, se banhava inadvertidamente com um baldinho. Com uma velocidade espantosa, aquela onda sinistra me projetou (não me perguntem como, mas eu conseguia segurar uma das mãos do moleque) em direção à parte traseira do mamute, perdão, da moça que pegava água com o singelo balde amarelo. A visão daquela imagem me fez, por alguns parcos segundos, repensar a vida. Ciente do impacto inevitável, apenas pedia a Deus que tivesse piedade de minha alma. Como se eu fosse uma bala de canhão, meu rosto foi direto de encontro à busanfa gigante da velha. Numa reação de puro reflexo, agarrei aquela montanha de carne e fomos todos juntos (eu, o moleque e a gordona) em direção à beira. Já sem a força de antes, a onda apenas nos largou na areia, mas as conseqüências foram dramáticas. Como uma baleia encalhada, a senhora era reanimada por algumas das centenas de banhistas que presenciaram a cena; o menino foi resgatado de um buraco de uns dez metros de profundidade; e eu, de bruços e com o short do pateta na canela, demorei cerca de cinco minutos pra conseguir lembrar o meu nome.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Capítulo 7: De Quissamanduca para o Mundo
Após algumas perigosas missões (tirei o gato do Frei Natanael do teto da igreja, matei três baratas cascudas na casa de dona Emerenciana e ajudei seu Manel da padaria, que foi aparar o pé de couve que ficava à beira do morro e despencou ribanceira abaixo), vi que Quissamanduca era pequena demais para mim, e decidi buscar novos ares, tentando a sorte no Rio de Janeiro.
Comuniquei à minha família e a meus amigos sobre a decisão e eles resolveram promover uma festa de despedida para mim. Foi emocionante, porque toda a cidade resolveu participar. As moças levaram os quitutes e os homens se encarregaram das bebidas. As barraquinhas foram armadas na Praça Apolônio III e toda a população esteve presente.
O evento mereceu, inclusive, a participação da banda da cidade, formada por Agripino Jiló na corneta, Sebastião Tião no triângulo, Clementino Jibóia (irmão de Cipó) no chocalho e Zeca Pebolim na zabumba. Liderada pelo maestro Isaac Caramujevski (na realidade, se chamava João Fulgêncio e nasceu no Ceará, onde catava caramujos), a banda era eclética e tocava de Odair José a Iron Maiden. Ah, já ia me esquecendo do Wilbor, que era fera no xilofone (aquele brinquedinho que a gente bate nas teclas com uma baquetinha). Wilbor parecia o Nhonho, só que bem mais gordo que o personagem do seriado Chaves. O bicho comia muito e estava se acabando na festa. Depois de engolir mais de 40 ovos cozidos (daqueles rosas), 18 pratos de angu e tomar mais de 20 canecas de sopa de ervilha, Wilbor começou a mudar de cor. Totalmente esverdeado e com a barriga três vezes maior do que a normal (que já era um escândalo), o garoto parecia que iria explodir. E explodiu. Um dos botões de sua camisa (justamente o que ficava próximo ao umbigo) arrebentou e, com uma velocidade descomunal, foi direto na testa de dona Emerenciana que, sentada no poço da pracinha, caiu no buraco de uns 15 metros de profundidade. O resgate da velha, aliás, foi o último ato do Spider em Quissamanduca.
Com a presença de todos os meus amigos e familiares na rodoviária, peguei o ônibus rumo à Cidade Maravilhosa. Como a viatura (essa é a expressão mais apropriada para definir aquilo) passava antes em Pororoca do Oeste, Barro Sujo, Santa Rita da Casa do Carvalho e Cajuzinho do Norte, já chegava lotada em Quissa. O ônibus (é duro me referir àquilo dessa forma), que tinha capacidade para 45 passageiros, contava com 97. Estava tão cheio, que todos tinham de respirar e expirar juntos, pra que o ar pudesse ser compartilhado democraticamente. Por falar em respirar, esta tarefa foi especialmente penosa pra mim. O único espaço que consegui me encaixar foi ao lado de um cara que não devia saber o que é um banho há uns três meses. Para piorar a situação, meu nariz ficava justamente alojado na axila esquerda daquela criatura. Inclusive, foi durante esta viagem que entendi porque aquela parte do corpo humano é popularmente chamada de SUVACO. Mesmo depois de tantos anos, ainda sinto às vezes um gosto ácido na boca e tenho a impressão de ter um cabelo preso debaixo da língua.
Mas e epopéia terminou. Após oito dias de viagem, finalmente cheguei ao Rio, que adotei como meu lar, e de onde projetaria a saga do Spider-Man para todo o planeta. E, logo em meu primeiro dia na cidade, pude perceber os perigos reservados àqueles pouco acostumados a um dos mais belos cartões postais das terras cariocas: as praias. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.
Comuniquei à minha família e a meus amigos sobre a decisão e eles resolveram promover uma festa de despedida para mim. Foi emocionante, porque toda a cidade resolveu participar. As moças levaram os quitutes e os homens se encarregaram das bebidas. As barraquinhas foram armadas na Praça Apolônio III e toda a população esteve presente.
O evento mereceu, inclusive, a participação da banda da cidade, formada por Agripino Jiló na corneta, Sebastião Tião no triângulo, Clementino Jibóia (irmão de Cipó) no chocalho e Zeca Pebolim na zabumba. Liderada pelo maestro Isaac Caramujevski (na realidade, se chamava João Fulgêncio e nasceu no Ceará, onde catava caramujos), a banda era eclética e tocava de Odair José a Iron Maiden. Ah, já ia me esquecendo do Wilbor, que era fera no xilofone (aquele brinquedinho que a gente bate nas teclas com uma baquetinha). Wilbor parecia o Nhonho, só que bem mais gordo que o personagem do seriado Chaves. O bicho comia muito e estava se acabando na festa. Depois de engolir mais de 40 ovos cozidos (daqueles rosas), 18 pratos de angu e tomar mais de 20 canecas de sopa de ervilha, Wilbor começou a mudar de cor. Totalmente esverdeado e com a barriga três vezes maior do que a normal (que já era um escândalo), o garoto parecia que iria explodir. E explodiu. Um dos botões de sua camisa (justamente o que ficava próximo ao umbigo) arrebentou e, com uma velocidade descomunal, foi direto na testa de dona Emerenciana que, sentada no poço da pracinha, caiu no buraco de uns 15 metros de profundidade. O resgate da velha, aliás, foi o último ato do Spider em Quissamanduca.
Com a presença de todos os meus amigos e familiares na rodoviária, peguei o ônibus rumo à Cidade Maravilhosa. Como a viatura (essa é a expressão mais apropriada para definir aquilo) passava antes em Pororoca do Oeste, Barro Sujo, Santa Rita da Casa do Carvalho e Cajuzinho do Norte, já chegava lotada em Quissa. O ônibus (é duro me referir àquilo dessa forma), que tinha capacidade para 45 passageiros, contava com 97. Estava tão cheio, que todos tinham de respirar e expirar juntos, pra que o ar pudesse ser compartilhado democraticamente. Por falar em respirar, esta tarefa foi especialmente penosa pra mim. O único espaço que consegui me encaixar foi ao lado de um cara que não devia saber o que é um banho há uns três meses. Para piorar a situação, meu nariz ficava justamente alojado na axila esquerda daquela criatura. Inclusive, foi durante esta viagem que entendi porque aquela parte do corpo humano é popularmente chamada de SUVACO. Mesmo depois de tantos anos, ainda sinto às vezes um gosto ácido na boca e tenho a impressão de ter um cabelo preso debaixo da língua.
Mas e epopéia terminou. Após oito dias de viagem, finalmente cheguei ao Rio, que adotei como meu lar, e de onde projetaria a saga do Spider-Man para todo o planeta. E, logo em meu primeiro dia na cidade, pude perceber os perigos reservados àqueles pouco acostumados a um dos mais belos cartões postais das terras cariocas: as praias. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.
sexta-feira, 7 de março de 2008
Capítulo 6: A Origem da Mítica Roupa do Spider-Man
Sei que uma dúvida deve estar atormentando há dias os milhões que acompanham a verdadeira história do Spider-Man, que eu, humildemente, decidi revelar neste blog. Aliás, um sucesso tão retumbante, que Bill Gates resolveu criar a “Internet II, A missão”, só para comportar todos os acessos dos internautas espalhados pelo planeta (recebi um e-mail da NASA informando que foi feito um contato de Júpter na tentativa de acessar o Spiderbrog). A pergunta é: como surgiu a tão famosa roupa do Spider? A história é longa, e tentarei resumir neste capítulo.
Depois de resgatar a explosiva pinguça da árvore, comecei a ajudar aqueles que estavam em apuros e percebi o quanto me sentia bem com isso. Mas eu era muito tímido, e não queria divulgação em cima de mim. Então, vi que precisava de um disfarce. Além do mais, eu me achava meio ridículo indo para as minhas missões descalço, sem camisa e com um short Sadidas (a grana que eu guardava em casa não me permitia comprar um Adidas, então tinha de ser o genérico). Para completar o drama, estava furado e sem elástico, e não ficava bem estar no meio de um salvamento e meu short cair.
Decidido a ocultar minha identidade secreta, vi que tinha de usar uma roupa que não me revelasse para o mundo. Foi aí que lembrei que Quissamanduca tinha uma costureira, responsável por confeccionar as roupas dos dois funcionários da pastelaria de Xin-Cu-Pow, dos dez policiais da cidade e os trajes religiosos de Frei Natanael: dona Maria Camões, uma senhorinha muito prestativa, que era tia de Duduzinho Pirata. Assim como o sobrinho, ela não enxergava com o olho direito e também era míope, quer dizer bem mais míope. Eram 32 graus que faziam com que ela tivesse alguma dificuldade para executar com perfeição algumas tarefas (tadinha, quando terminava de ler um jornal, ficava com a ponta do nariz toda preta da tinta das letras), como cortar os tecidos. Lembro de um dia que ela tirou tanto pano da parte de trás primeira batina de Frei Natanael, que ele rezou a primeira missa com a bunda de fora.
Mas as mãos de dona Camões eram incríveis, além de inventivas. Fui até ela e pedi que criasse um modelito pra mim. Eu queria alguma coisa que lembrasse uma aranha, algo bem maneiro, mas a doce velhinha me disse que faria uma surpresa, pois eu era o melhor amigo do seu sobrinho e merecia algo especial, diferente. Depois de seis meses sendo cuidadosamente preparada, a roupa estava pronta. Ao receber a encomenda, confesso que me decepcionei um pouco. Abri a caixa e fui tirando as peças, uma a uma: a máscara parecia a do Zorro, uma capa que tinha uma barata estampada (além de cega, dona Maria Camões sofria de amnésia múltipla polidesinterítica aguda), uma camisa de lycra com a mesma barata no peito, uma bota estilo Xuxa (pra dar um ar másculo, tinha uma espora em cada pé) e uma sunga. Bom, a sunga era um caso à parte. Afetada pela amnésia múltipla polidesinterítica aguda (só pode ter sido isso), a velha fez uma sunga na medida pro Zeca Pebolim, o anãozinho da cidade. Vesti aquela parafernália toda e fui me “apreciar” no espelho do banheiro. Depois de alguns minutos paralisado com a figura patética que se projetava à minha frente, decidi que não havia a menor condição de eu usar aquilo. A decisão ganhou ainda mais força quando fui andar em direção ao espelho. No primeiro passo que dei para frente, meu saco escapou pelo canto direito da sunga mínima. Lamentável.
Visto que não teria outra alternativa, peguei minha bicicleta (como eu não sabia andar direito, ela ainda tinha aquelas duas rodinhas laterais) e parti para Cajuzinho do Norte a fim de comprar minha tão sonhada roupa de Homem-Aranha. Fui ao banco, o Bicano, e saquei uma grana (tudo que ganhava no malabarismo eu depositava lá). Sabia que em Cajuzinho do Norte tinha um estilista, uma bichona que era o costureiro oficial da primeira dama da cidade (a socialite Marilu Topete, esposa do prefeito Cornildo Manso). Clodovaldo era mesmo um artista, e em três dias deixou tudo pronto. Por ter morado cinco anos nos EUA, onde trabalhava como copeiro na casa do famoso costureiro francês Michael Dechaqueodo (a sílaba forte é a última), começou a me chamar de Spider, meu Spider. Não gostei muito daquilo, mas achei que Spider soaria melhor que Aranha. E já devidamente uniformizado, passei a adotar o Spider-Man como minha segunda identidade, iniciando, de forma completa, a saga do adorado super-herói.
Depois de resgatar a explosiva pinguça da árvore, comecei a ajudar aqueles que estavam em apuros e percebi o quanto me sentia bem com isso. Mas eu era muito tímido, e não queria divulgação em cima de mim. Então, vi que precisava de um disfarce. Além do mais, eu me achava meio ridículo indo para as minhas missões descalço, sem camisa e com um short Sadidas (a grana que eu guardava em casa não me permitia comprar um Adidas, então tinha de ser o genérico). Para completar o drama, estava furado e sem elástico, e não ficava bem estar no meio de um salvamento e meu short cair.
Decidido a ocultar minha identidade secreta, vi que tinha de usar uma roupa que não me revelasse para o mundo. Foi aí que lembrei que Quissamanduca tinha uma costureira, responsável por confeccionar as roupas dos dois funcionários da pastelaria de Xin-Cu-Pow, dos dez policiais da cidade e os trajes religiosos de Frei Natanael: dona Maria Camões, uma senhorinha muito prestativa, que era tia de Duduzinho Pirata. Assim como o sobrinho, ela não enxergava com o olho direito e também era míope, quer dizer bem mais míope. Eram 32 graus que faziam com que ela tivesse alguma dificuldade para executar com perfeição algumas tarefas (tadinha, quando terminava de ler um jornal, ficava com a ponta do nariz toda preta da tinta das letras), como cortar os tecidos. Lembro de um dia que ela tirou tanto pano da parte de trás primeira batina de Frei Natanael, que ele rezou a primeira missa com a bunda de fora.
Mas as mãos de dona Camões eram incríveis, além de inventivas. Fui até ela e pedi que criasse um modelito pra mim. Eu queria alguma coisa que lembrasse uma aranha, algo bem maneiro, mas a doce velhinha me disse que faria uma surpresa, pois eu era o melhor amigo do seu sobrinho e merecia algo especial, diferente. Depois de seis meses sendo cuidadosamente preparada, a roupa estava pronta. Ao receber a encomenda, confesso que me decepcionei um pouco. Abri a caixa e fui tirando as peças, uma a uma: a máscara parecia a do Zorro, uma capa que tinha uma barata estampada (além de cega, dona Maria Camões sofria de amnésia múltipla polidesinterítica aguda), uma camisa de lycra com a mesma barata no peito, uma bota estilo Xuxa (pra dar um ar másculo, tinha uma espora em cada pé) e uma sunga. Bom, a sunga era um caso à parte. Afetada pela amnésia múltipla polidesinterítica aguda (só pode ter sido isso), a velha fez uma sunga na medida pro Zeca Pebolim, o anãozinho da cidade. Vesti aquela parafernália toda e fui me “apreciar” no espelho do banheiro. Depois de alguns minutos paralisado com a figura patética que se projetava à minha frente, decidi que não havia a menor condição de eu usar aquilo. A decisão ganhou ainda mais força quando fui andar em direção ao espelho. No primeiro passo que dei para frente, meu saco escapou pelo canto direito da sunga mínima. Lamentável.
Visto que não teria outra alternativa, peguei minha bicicleta (como eu não sabia andar direito, ela ainda tinha aquelas duas rodinhas laterais) e parti para Cajuzinho do Norte a fim de comprar minha tão sonhada roupa de Homem-Aranha. Fui ao banco, o Bicano, e saquei uma grana (tudo que ganhava no malabarismo eu depositava lá). Sabia que em Cajuzinho do Norte tinha um estilista, uma bichona que era o costureiro oficial da primeira dama da cidade (a socialite Marilu Topete, esposa do prefeito Cornildo Manso). Clodovaldo era mesmo um artista, e em três dias deixou tudo pronto. Por ter morado cinco anos nos EUA, onde trabalhava como copeiro na casa do famoso costureiro francês Michael Dechaqueodo (a sílaba forte é a última), começou a me chamar de Spider, meu Spider. Não gostei muito daquilo, mas achei que Spider soaria melhor que Aranha. E já devidamente uniformizado, passei a adotar o Spider-Man como minha segunda identidade, iniciando, de forma completa, a saga do adorado super-herói.
quinta-feira, 6 de março de 2008
Capítulo 5: Dara, A Primeira Paixão
Quissamanduca era uma cidade pequena e de população reduzida. Das poucas meninas que lá viviam, pouquíssimas eram apreciáveis. A irmã do Pedro era até bonitinha, mas era difícil encarar o buço que ela fazia questão de deixar impecável. Além do mais, Hitler (era assim como nós a chamávamos) tinha namorado, o filho do coronel Cipriano, o maior fazendeiro da região. O velho era mal, pegava um, pegava geral. Dizem até que ele matou a sogra a enxadadas só porque a pobre senhora errou na dose e colocou uma colher a menos de sal na comida.
As opções femininas, portanto, eram poucas. Duduzinho Pirata, que além de não enxergar com um dos olhos era míope do outro, era o único que de vez em quando arrumava alguma coisa. Mas, como a visão não era propriamente um sentido confiável, virava e mexia aparecia com alguma aberração.
Sendo assim, tínhamos que encontrar na criatividade a aliada para nossa iniciação sexual. Ah, já ia me esquecendo, a cidade tinha uma moça da vida, a Soledade, que deve ter chegado a Quissa nos anos 20, antes de Cristo. Ou seja, não havia opção.
O tempo foi passando e a secura aumentando. Até que um dia, caminhando pela estrada, avistei uma coisinha muito linda e jeitosa. Ela estava sozinha, e parecia perdida. Ao me deparar com aquele serzinho indefeso, me apaixonei no ato. Na hora, nem me preocupei como meus pais iriam reagir quando me vissem chegar em casa com uma cabra.
Os primeiros dias de namoro com Dara (resolvi dar esse nome à cabrinha em homenagem ao Cigano Igor, ídolo de toda uma geração, que era apaixonado por uma cigana chamada Dara) foram de muito romance, mas poucos contatos íntimos. Até que o amor falou mais alto e permitiu o grande momento da consumação. O desejo era forte, de ambos os lados. A noite estava linda, ensolarada, e escolhi um lugar bem romântico e aconchegante para despejar todo o meu vigor juvenil sobre Dara, que me olhava com aquele olhar pidão, sedenta de luxúria. Fomos para trás de uma moita, muito utilizada em alguns momentos de aperto (às vezes, eu tinha uma crise intestinal que era tiro e, literalmente, queda). Foram horas de loucura e, impregnado com o perfume da minha amada, retornei mais apaixonado do que nunca para o meu lar.
Nossa relação, sempre alicerçada por muito diálogo, parecia eterna. Mas um dia (sempre que me lembro dá vontade de chorar) ao acordar, virei-me para acarinhar minha amada e ela não estava a meu lado. Meu coração bateu mais forte, e pressenti que algo terrível teria acontecido. E, para meu desespero, meus sentimentos estavam corretos. Dara havia me deixado, sem sequer deixar um bilhete. A dor foi ainda mais aguda quando, uma semana depois, eu a vi, num amasso indecente com Ludovico, o jegue de Floriano Milhar, único bicheiro de Quissamanduca. E, desta forma, me sentindo traído e humilhado, tirei definitivamente aquela vadia da minha vida. Com a ajuda dos meus amigos, felizmente tive forças para superar o trauma, tocar minha vida e seguir minha trajetória de super-herói.
As opções femininas, portanto, eram poucas. Duduzinho Pirata, que além de não enxergar com um dos olhos era míope do outro, era o único que de vez em quando arrumava alguma coisa. Mas, como a visão não era propriamente um sentido confiável, virava e mexia aparecia com alguma aberração.
Sendo assim, tínhamos que encontrar na criatividade a aliada para nossa iniciação sexual. Ah, já ia me esquecendo, a cidade tinha uma moça da vida, a Soledade, que deve ter chegado a Quissa nos anos 20, antes de Cristo. Ou seja, não havia opção.
O tempo foi passando e a secura aumentando. Até que um dia, caminhando pela estrada, avistei uma coisinha muito linda e jeitosa. Ela estava sozinha, e parecia perdida. Ao me deparar com aquele serzinho indefeso, me apaixonei no ato. Na hora, nem me preocupei como meus pais iriam reagir quando me vissem chegar em casa com uma cabra.
Os primeiros dias de namoro com Dara (resolvi dar esse nome à cabrinha em homenagem ao Cigano Igor, ídolo de toda uma geração, que era apaixonado por uma cigana chamada Dara) foram de muito romance, mas poucos contatos íntimos. Até que o amor falou mais alto e permitiu o grande momento da consumação. O desejo era forte, de ambos os lados. A noite estava linda, ensolarada, e escolhi um lugar bem romântico e aconchegante para despejar todo o meu vigor juvenil sobre Dara, que me olhava com aquele olhar pidão, sedenta de luxúria. Fomos para trás de uma moita, muito utilizada em alguns momentos de aperto (às vezes, eu tinha uma crise intestinal que era tiro e, literalmente, queda). Foram horas de loucura e, impregnado com o perfume da minha amada, retornei mais apaixonado do que nunca para o meu lar.
Nossa relação, sempre alicerçada por muito diálogo, parecia eterna. Mas um dia (sempre que me lembro dá vontade de chorar) ao acordar, virei-me para acarinhar minha amada e ela não estava a meu lado. Meu coração bateu mais forte, e pressenti que algo terrível teria acontecido. E, para meu desespero, meus sentimentos estavam corretos. Dara havia me deixado, sem sequer deixar um bilhete. A dor foi ainda mais aguda quando, uma semana depois, eu a vi, num amasso indecente com Ludovico, o jegue de Floriano Milhar, único bicheiro de Quissamanduca. E, desta forma, me sentindo traído e humilhado, tirei definitivamente aquela vadia da minha vida. Com a ajuda dos meus amigos, felizmente tive forças para superar o trauma, tocar minha vida e seguir minha trajetória de super-herói.
Troféu Cigano Igor (Julio Rocha)
Sua interpretação como o motorista sedutor João Batista, na novela Duas Caras (Rede Globo), vem impressionando experientes astros de Hollywood, como Al Pacino, Sean Connery e Robert de Niro, além dos galãs Brad Pitt e Leonardo di Caprio. Dizem, inclusive, que De Niro virá ao Brasil para ter aulas de expressão facial com o impressionante Julio Rocha.
Comentários advindos do Projac dão conta, também, que, a cada olhar do jovem ator, dezenas de mulheres (inclusive atrizes) desmaiam no set de gravação.
Comentários advindos do Projac dão conta, também, que, a cada olhar do jovem ator, dezenas de mulheres (inclusive atrizes) desmaiam no set de gravação.
Troféu Cigano Igor
Esse espaço é dedicado para divulgar a premiação do cobiçado troféu Cigano Igor, ofertado àqueles “artistas” incompreendidos, ignorados pela crítica especializada e por alguns bilhões de seres humanos insensíveis espalhados pelo mundo. É uma justa, porém modesta homenagem a estes injustiçados, visados pela inveja de colegas, e só devidamente reconhecidos pelos diretores das novelas que nos permitiram apreciar tamanho talento. O nome do prêmio é uma homenagem ao personagem mais relevante da teledramaturgia mundial (um difícil papel na novela Explode Coração, exibida entre 1995 e 96), interpretado por um verdadeiro ícone, Ricardo Macchi: aquele cara que é casado com a espetacular Ellen Rocche.
quarta-feira, 5 de março de 2008
Capítulo 4: A Primeira Missão
Eu tinha oito anos quando comecei a usar meus poderes para salvar as pessoas. Até então, me limitava a utilizá-los somente em meus números de malabares. Então, numa tarde ensolarada, iniciei minha trajetória como destemido super-herói.
Como fazia sempre depois de trabalhar nos sinais, brincava de “arremesso de três pontos” com meus amigos. Era muito divertido. Esperávamos seu Murrinha (um senhor que diariamente puxava um ronco sentado em frente ao boteco do Edgar Barrão) tirar sua pestana vespertina e nos posicionávamos a uns cinco metros de distância. O coroa tinha um problema no nariz e dormia com a caçapa, quer dizer, boca aberta para respirar. Fazíamos várias bolinhas com os miolos dos pães que o Juvenil trazia (seu pai trabalhava na única padaria de Quissamanduca) e, após animada adedanha para saber quem seria o primeiro, começávamos a sessão de arremessos. Como o velhinho não tinha dentes, não era tão difícil acertar o alvo, e rapidamente algum de nós conseguia o objetivo. A contagem era simples: três pontos pela “cesta” e mais dois de bonificação caso seu Murrinha soltasse um pum. É que quando a bolinha entrava, as pernas dele subiam (e ele junto) e, algumas vezes, escapava um traque no susto. Claro que a brincadeira acabava quando alguém acertava, pois o velho saía correndo atrás da gente. Mas no dia seguinte, mais uma emocionante partida.
Bem, voltando ao que interessa. Estávamos nos preparando pra iniciar a disputa do dia, quando escutamos um barulho terrível. Logo em seguida, algumas pessoas vieram gritando: “A casa da dona Calibrina explodiu! A casa da dona Calibrina explodiu! Paulinho se desesperou e, aos pratos, chamava pela mãe. Chegamos no local e vimos que o telhado da casa tinha um rombo que passava um ônibus. Procuramos em todos os cômodos e dona Calibrina tinha sumido. Nós nos dividimos em turnos e iniciamos a busca pela mãe do nosso amigo. Depois de três dias de intensa procura, encontramos a velha em cima de uma árvore, a mais ou menos uns dois quilômetros da sua casa (ela foi acender um cigarrinho e, como tinha “enxugado’ duas garrafas de Praianinha, o contato do fogo com o hálito de álcool fez com que fosse literalmente para os ares). Dona Calibrina, no entanto, estava viva (a bicha parecia até o Highlander), mas seu resgate era muito difícil (a árvore era alta pra cacete e a velha ainda estava espetava em alguns galhos). Depois de várias tentativas jogando pedras pra ela cair, Pedro e Duduzinho Pirata resolveram buscar uma escada emprestada com Xin-Cu-Pow, o chinês maluco dono da pastelaria. Foi aí que resolvi testar meus poderes: mirei os pulsos das minhas mãos na direção de Calibrina e disparei as teias. Com a velha sob controle, eu a tirei do alto da árvore e a coloquei no chão. Como ela ainda estava de porre, nem se ligou em como foi parar ali. Assim, pude manter meu segredo, além de de me sentir muito orgulhoso com minha primeira missão cumprida.
Como fazia sempre depois de trabalhar nos sinais, brincava de “arremesso de três pontos” com meus amigos. Era muito divertido. Esperávamos seu Murrinha (um senhor que diariamente puxava um ronco sentado em frente ao boteco do Edgar Barrão) tirar sua pestana vespertina e nos posicionávamos a uns cinco metros de distância. O coroa tinha um problema no nariz e dormia com a caçapa, quer dizer, boca aberta para respirar. Fazíamos várias bolinhas com os miolos dos pães que o Juvenil trazia (seu pai trabalhava na única padaria de Quissamanduca) e, após animada adedanha para saber quem seria o primeiro, começávamos a sessão de arremessos. Como o velhinho não tinha dentes, não era tão difícil acertar o alvo, e rapidamente algum de nós conseguia o objetivo. A contagem era simples: três pontos pela “cesta” e mais dois de bonificação caso seu Murrinha soltasse um pum. É que quando a bolinha entrava, as pernas dele subiam (e ele junto) e, algumas vezes, escapava um traque no susto. Claro que a brincadeira acabava quando alguém acertava, pois o velho saía correndo atrás da gente. Mas no dia seguinte, mais uma emocionante partida.
Bem, voltando ao que interessa. Estávamos nos preparando pra iniciar a disputa do dia, quando escutamos um barulho terrível. Logo em seguida, algumas pessoas vieram gritando: “A casa da dona Calibrina explodiu! A casa da dona Calibrina explodiu! Paulinho se desesperou e, aos pratos, chamava pela mãe. Chegamos no local e vimos que o telhado da casa tinha um rombo que passava um ônibus. Procuramos em todos os cômodos e dona Calibrina tinha sumido. Nós nos dividimos em turnos e iniciamos a busca pela mãe do nosso amigo. Depois de três dias de intensa procura, encontramos a velha em cima de uma árvore, a mais ou menos uns dois quilômetros da sua casa (ela foi acender um cigarrinho e, como tinha “enxugado’ duas garrafas de Praianinha, o contato do fogo com o hálito de álcool fez com que fosse literalmente para os ares). Dona Calibrina, no entanto, estava viva (a bicha parecia até o Highlander), mas seu resgate era muito difícil (a árvore era alta pra cacete e a velha ainda estava espetava em alguns galhos). Depois de várias tentativas jogando pedras pra ela cair, Pedro e Duduzinho Pirata resolveram buscar uma escada emprestada com Xin-Cu-Pow, o chinês maluco dono da pastelaria. Foi aí que resolvi testar meus poderes: mirei os pulsos das minhas mãos na direção de Calibrina e disparei as teias. Com a velha sob controle, eu a tirei do alto da árvore e a coloquei no chão. Como ela ainda estava de porre, nem se ligou em como foi parar ali. Assim, pude manter meu segredo, além de de me sentir muito orgulhoso com minha primeira missão cumprida.
terça-feira, 4 de março de 2008
Pérolas no Futebol: "Quando levantei, tava tudo se rodando”
Fabinho, ex-volante do Flamengo após se "recuperar" de uma bolada que recebeu no rosto. No lance, o goleiro Júlio César foi repor em jogo, acertou o companheiro e a bola acabou entrando. Esse foi o gol do empate do Bahia, que acabaria perdendo por 2 a 1, em partida válida pelo Brasileiro de 2003.
Pérolas no Futebol
Há uns cinco anos, resolvi anotar algumas preciosidades proferidas por celebridades do nosso futebol. Já que, depois do pedido desesperado de alguns amigos, resolvi criar este blog contando a trajetória da minha vida como super-herói, aproveito o espaço para dividir com vocês um pouco do material que coletei e pesquisei. Juro que é tudo verdade ( a maioria eu mesmo ouvi, e confio plenamente nas fontes das demais). Tem pra todos os gostos: frases de jogadores, treinadores e jornalistas, classe a qual estou me despedindo para me dedicar à minha carreira como cantor (quando der, volto a atuar como Spider). Divirtam-se.
Capítulo 3: A Morte Ronda Quissamanduca
Frei Natanael era um cara legal, zeloso com suas obrigações à frente da igreja. Tirando a bolada no saco, só um episódio fez com que se afastasse temporariamente de suas funções como líder religioso da comunidade quissamanduquense. Foi um episódio até hoje comentado na cidade.
Certo dia, Paulinho Pinga Pura chegou em casa e viu sua mãe estirada no chão da sala. A bicha estava imóvel e não respirava. Imediatamente, o desespero tomou conta daquele inocente menino. Logo a vizinhança correu para acudi-lo e se deparou com a dramática cena. Após alguns segundos de atendimento, o doutor Alípio deu a trágica notícia: “Já era!”.
A comoção tomou conta de Quissamanduca. A população se uniu e descolou um caixão (como já tinha sido usado em outra ocasião, precisou de uma pequena reforma). Uma hora depois, estávamos todos no salão da igreja velando a pobre dona Calibrina, também carinhosamente chamada de Branquinha.
Emocionado, Frei Natanael proferiu lindo sermão, lembrando quando dona Calibrina era apenas uma criança e, de traquinagem, roubava as garrafas de cachaça dos despachos de macumba pra beber escondida atrás da igreja. Amparado pelos fiéis, o frei foi conduzido a uma cadeira para se recuperar e, com seu puído lenço de papel (ele usava o mesmo há anos), enxugava as lágrimas de seu rosto enrugado. Neste momento, a beata Salu se aproximou do caixão para se despedir da velha amiga. Foi nessa hora que, dando um pulo, dona Calibrina sentou-se, agarrou Salu pela cabeça e, a menos de um palmo de distância, sussurrou algo indecifrável. O que se viu em seguida foi uma loucura. Uma gritaria e uma correria só. Até dona Emerenciana, uma senhora de 112 anos que há mais de 30 só se locomovia em cadeiras de rodas, disparou feito uma doida e varou a janela do salão da igreja. Frei Natanael, que foi o primeiro a se mandar, voltou à cidade somente seis meses depois (dizem que ele chegou correndo à Cumbuquinha Feliz, cidade que fica a 100 km de Quissamanduca).
A ressurreição de dona Calibrina, no entanto, nada mais foi do que a recuperação de uma síncope etílica, decorrente do porre fenomenal que ela tomou depois do almoço. Na realidade, a velha desmaiara e, como o doutor Alípio era surdo, não ouviu os batimentos cardíacos da mãe do meu querido amigo Paulinho.
Mas esse dia estava fadado mesmo a acabar de forma trágica. Depois de todo o fuzuê com a imaginada morte de Calibrina é que se pôde perceber que beata Salu era única pessoa que permanecera no salão. Estirada no chão como uma ripa, a pobre estava morta de verdade. Todos se entreolharam e comentaram: “Morreu de susto, morreu de susto!". Como o caixão estava lá de bobeira, neguinho aproveitou e enfiou a coitada no já castigado paletó de madeira. Três dias de luto em Quissamanduca e bandeira a meio pau.
Na outra semana, chegou o laudo da autópsia (demorou porque o laboratório mais próximo ficava em Santa Lourdes do Piriri, a 732 km de Quissa). O resultado chocou os cidadãos quissamanduquenses. Não foi ataque cardíaco o que tirou beata Salu do nosso agradável convívio. Na realidade, ela morreu sufocada. E a causa foi o bafo desferido por Calibrina ao acordar do coma etílico.
Certo dia, Paulinho Pinga Pura chegou em casa e viu sua mãe estirada no chão da sala. A bicha estava imóvel e não respirava. Imediatamente, o desespero tomou conta daquele inocente menino. Logo a vizinhança correu para acudi-lo e se deparou com a dramática cena. Após alguns segundos de atendimento, o doutor Alípio deu a trágica notícia: “Já era!”.
A comoção tomou conta de Quissamanduca. A população se uniu e descolou um caixão (como já tinha sido usado em outra ocasião, precisou de uma pequena reforma). Uma hora depois, estávamos todos no salão da igreja velando a pobre dona Calibrina, também carinhosamente chamada de Branquinha.
Emocionado, Frei Natanael proferiu lindo sermão, lembrando quando dona Calibrina era apenas uma criança e, de traquinagem, roubava as garrafas de cachaça dos despachos de macumba pra beber escondida atrás da igreja. Amparado pelos fiéis, o frei foi conduzido a uma cadeira para se recuperar e, com seu puído lenço de papel (ele usava o mesmo há anos), enxugava as lágrimas de seu rosto enrugado. Neste momento, a beata Salu se aproximou do caixão para se despedir da velha amiga. Foi nessa hora que, dando um pulo, dona Calibrina sentou-se, agarrou Salu pela cabeça e, a menos de um palmo de distância, sussurrou algo indecifrável. O que se viu em seguida foi uma loucura. Uma gritaria e uma correria só. Até dona Emerenciana, uma senhora de 112 anos que há mais de 30 só se locomovia em cadeiras de rodas, disparou feito uma doida e varou a janela do salão da igreja. Frei Natanael, que foi o primeiro a se mandar, voltou à cidade somente seis meses depois (dizem que ele chegou correndo à Cumbuquinha Feliz, cidade que fica a 100 km de Quissamanduca).
A ressurreição de dona Calibrina, no entanto, nada mais foi do que a recuperação de uma síncope etílica, decorrente do porre fenomenal que ela tomou depois do almoço. Na realidade, a velha desmaiara e, como o doutor Alípio era surdo, não ouviu os batimentos cardíacos da mãe do meu querido amigo Paulinho.
Mas esse dia estava fadado mesmo a acabar de forma trágica. Depois de todo o fuzuê com a imaginada morte de Calibrina é que se pôde perceber que beata Salu era única pessoa que permanecera no salão. Estirada no chão como uma ripa, a pobre estava morta de verdade. Todos se entreolharam e comentaram: “Morreu de susto, morreu de susto!". Como o caixão estava lá de bobeira, neguinho aproveitou e enfiou a coitada no já castigado paletó de madeira. Três dias de luto em Quissamanduca e bandeira a meio pau.
Na outra semana, chegou o laudo da autópsia (demorou porque o laboratório mais próximo ficava em Santa Lourdes do Piriri, a 732 km de Quissa). O resultado chocou os cidadãos quissamanduquenses. Não foi ataque cardíaco o que tirou beata Salu do nosso agradável convívio. Na realidade, ela morreu sufocada. E a causa foi o bafo desferido por Calibrina ao acordar do coma etílico.
Capítulo 2: Peripécias Infantis
A atividade de malabarista em sinais me proporcionou juntar um bom dinheiro. Como os únicos dois bancos que existiam em Quissamanduca eram os da pracinha (tinha sempre uns pinguços dormindo neles), eu precisava ir à cidade vizinha, Cajuzinho do Norte, para depositar algum no Bicano (Banco Internacional de Cajuzinho do Norte). Sempre fui muito previdente e, com muito sacrifício, consegui uma pequena fortuna, se comparada às posses da maioria esmagadora da população de Quissa.
Após um dia estafante de trabalho, eu, Pedro, Pinga Pura, Juvenil, Pirata e Cipó costumávamos nos reunir na pastelaria do Xin-Cu-Pow (um chinês maluco que resolveu se instalar na cidade) pra racharmos um pastel e um copo de ki-suco de groselha. Lá só tinha dois tipos de pastéis: o de ar ou o de vento. A gente ia no de vento porque enchia mais.
Essas lembranças me emocionam até hoje, porque me trazem lindas recordações dos tempos em que eu ainda não era o Spider-Man, idolatrado por todo o planeta. Lembro-me quando jogávamos bola em um terreno baldio que ficava colado à igrejinha. Frei Natanael sempre vinha se juntar ao grupo. Fazíamos um cascudinho (dividíamos dois times com três de cada lado, e o goleiro era o frei). A bola era de couro velho e virava um chumbo quando ficava molhada. Um dia, quando o campo era uma lama só, Cipó deu um bico (o dedão do pé direito parecia um pino preto de boliche) e acertou os, quer dizer, as partes baixas do padre. Graças a Deus, depois de quatro horas desacordado, o frei se recuperou. É bem verdade que ele demorou um pouco pra voltar a falar, o que o afastou dos sermões diários que dava na igrejinha. Felizmente, um mês depois ele voltou às atividades normais.
Após um dia estafante de trabalho, eu, Pedro, Pinga Pura, Juvenil, Pirata e Cipó costumávamos nos reunir na pastelaria do Xin-Cu-Pow (um chinês maluco que resolveu se instalar na cidade) pra racharmos um pastel e um copo de ki-suco de groselha. Lá só tinha dois tipos de pastéis: o de ar ou o de vento. A gente ia no de vento porque enchia mais.
Essas lembranças me emocionam até hoje, porque me trazem lindas recordações dos tempos em que eu ainda não era o Spider-Man, idolatrado por todo o planeta. Lembro-me quando jogávamos bola em um terreno baldio que ficava colado à igrejinha. Frei Natanael sempre vinha se juntar ao grupo. Fazíamos um cascudinho (dividíamos dois times com três de cada lado, e o goleiro era o frei). A bola era de couro velho e virava um chumbo quando ficava molhada. Um dia, quando o campo era uma lama só, Cipó deu um bico (o dedão do pé direito parecia um pino preto de boliche) e acertou os, quer dizer, as partes baixas do padre. Graças a Deus, depois de quatro horas desacordado, o frei se recuperou. É bem verdade que ele demorou um pouco pra voltar a falar, o que o afastou dos sermões diários que dava na igrejinha. Felizmente, um mês depois ele voltou às atividades normais.
segunda-feira, 3 de março de 2008
Capítulo 1: O Início da Lenda
Tudo começou no verão de 38, quando alguma coisa aconteceu em algum lugar. Muitos anos depois, nasci numa manjedoura (opa, esse foi Cristo), quer dizer numa tenda indígena em Quixeramobim City, cidade onde passei boa parte da minha infância fazendo malabarismos nos sinais (ou semáforos). Como não tinha dinheiro para comprar as bolinhas, eu usava o que dava: laranja, ovo, pedra, sapato velho, o que pintasse.
Na realidade, foi nesta fase que percebi ser diferente dos demais. Bastava apertar uma das minhas mãos com o dedo médio que saía um troço estranho de um buraquinho no pulso (só mais tarde descobri que eram teias). Isso me ajudava muito como malabarista, e acabei ganhando um troco distraindo quem parava nos cruzamentos. Rica na produção de piolhos, Quixeramobim crescia no cenário nacional e internacional, e já contava com 13 carros, 52 bicicletas, 28 “burros-sem-rabo” e 33 carrinhos-de-mão. Também me divertia disparando a teia e levantando as saias das garotas. Parei com isso quando descobri, após uma das minhas brincadeiras, que a cidade tinha um travesti.
Bom, voltemos ao que interessa. Um belo dia, meu pai recebeu uma proposta irrecusável de emprego e resolveu se mudar com quase toda a família para Quissamanduca Town (deixamos minha tia Lupércia, que pesava 289 kg), onde assumiria a função de sub-assistente auxiliar de torneiro mecânico, profissão muito promissora na época (teve um que virou até presidente da República).
Foi justamente em Quissa (forma carinhosa como eu me refiro à cidade) onde conheci Pedro, que mais tarde seria Peter, o Parker. Como disse na minha apresentação (“Aviso à Humanidade”), ele era filho da prima do cunhado da tia de uma amiga da vizinha da minha avó. Rapidamente nos tornamos amigos e decidi lhe dar uma chance na minha equipe de malabaristas. Ao todo, éramos seis (alguém se inspirou nisso, mexeu no enredo e criou um romance): eu, Pedro, Paulinho Pinga Pura (o apelido era por causa de um terrível vício que a mãe dele tinha), Juvenil (era pra ser Juvenal, mas o escrivão errou ao registrar o nome), Duduzinho Pirata (ele não enxergava com o olho direito) e Cipó (vamos deixar pra lá a origem do apelido).
Disparado, eu era o melhor do time, e por isso ganhava mais dinheiro que os outros. Após três meses já tinha grana pra comprar uma caixa de fósforos, o que causava certo ciúme em meus colegas. A amizade, porém, era mais forte, e seguimos unidos, trabalhando e nos divertindo muito.
Na realidade, foi nesta fase que percebi ser diferente dos demais. Bastava apertar uma das minhas mãos com o dedo médio que saía um troço estranho de um buraquinho no pulso (só mais tarde descobri que eram teias). Isso me ajudava muito como malabarista, e acabei ganhando um troco distraindo quem parava nos cruzamentos. Rica na produção de piolhos, Quixeramobim crescia no cenário nacional e internacional, e já contava com 13 carros, 52 bicicletas, 28 “burros-sem-rabo” e 33 carrinhos-de-mão. Também me divertia disparando a teia e levantando as saias das garotas. Parei com isso quando descobri, após uma das minhas brincadeiras, que a cidade tinha um travesti.
Bom, voltemos ao que interessa. Um belo dia, meu pai recebeu uma proposta irrecusável de emprego e resolveu se mudar com quase toda a família para Quissamanduca Town (deixamos minha tia Lupércia, que pesava 289 kg), onde assumiria a função de sub-assistente auxiliar de torneiro mecânico, profissão muito promissora na época (teve um que virou até presidente da República).
Foi justamente em Quissa (forma carinhosa como eu me refiro à cidade) onde conheci Pedro, que mais tarde seria Peter, o Parker. Como disse na minha apresentação (“Aviso à Humanidade”), ele era filho da prima do cunhado da tia de uma amiga da vizinha da minha avó. Rapidamente nos tornamos amigos e decidi lhe dar uma chance na minha equipe de malabaristas. Ao todo, éramos seis (alguém se inspirou nisso, mexeu no enredo e criou um romance): eu, Pedro, Paulinho Pinga Pura (o apelido era por causa de um terrível vício que a mãe dele tinha), Juvenil (era pra ser Juvenal, mas o escrivão errou ao registrar o nome), Duduzinho Pirata (ele não enxergava com o olho direito) e Cipó (vamos deixar pra lá a origem do apelido).
Disparado, eu era o melhor do time, e por isso ganhava mais dinheiro que os outros. Após três meses já tinha grana pra comprar uma caixa de fósforos, o que causava certo ciúme em meus colegas. A amizade, porém, era mais forte, e seguimos unidos, trabalhando e nos divertindo muito.
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