terça-feira, 15 de julho de 2008

Capítulo 19: Duelo de Titãs

Em minha heróica saga como super-herói destemido, enfrentei vários rivais perigosos e implacáveis. Por isso, hoje resolvi contar um momento especial, que me forçou a demonstrar toda a coragem que levo dentro de mim a fim de cumprir, mesmo com todas as adversidades, uma missão quase impossível: sobreviver.
Numa bela noite de outono, estava solitário em meu quarto na pensão do Vasco quando ouvi gritos histéricos vindo do prédio da frente. Imediatamente, me dirigi à janela e, para minha surpresa, vi que o desespero partia do apartamento de uma morena espetacular que embalava meus sonhos na época (toda vez em que ela ia trocar de roupa eu me escondia atrás da cortina e só manjava ela pelada). Com uma vassoura nas mãos, a bela moça gritava: “Ai, meu Deus! Sai, sai daqui!”. Depois de ver aquela cena, imediatamente coloquei minha clássica roupa e, resoluto, parti em direção ao local para evitar que minha deusa fosse agredida pelo ladrão ou até mesmo estuprada pelo malfeitor. Com minha habitual velocidade, invadi a janela da residência da morenaça indefesa. A recepção, no entanto, não foi a que eu imaginava. Levei uma vassourada nos córneos que quase me fez despencar do sétimo andar. Ainda meio tonto com a porrada, vi a gatinha deixar correndo o apartamento e trancar a porta, gritando feito uma doida pelo corredor.
Rapidamente (dentro do possível, porque ainda estava meio grogue), me coloquei em posição de defesa aguardando o ataque do bandido. No entanto, percebi que não havia ninguém naquele quarto. Ledo engano. Sem entender bem o que estava ocorrendo, caminhei lentamente pelo local a fim de desvendar a causa de tanto desespero daquela morena fantástica. Até que, finalmente, avistei, encostado ao rodapé, o motivo de tamanho terror: uma barata. Quer dizer, um animal que nasceu como uma barata e se transformou em um ser descomunal. Confesso que aquela visão provocou um grito da minha parte. É importante ressaltar que aranhas e baratas não são propriamente espécimes amigas, portanto um clima de tensão tomou conta daquele recinto. Tenho que admitir que, por alguns segundos, fiquei paralisado e completamente arrepiado. Não pensem que se trata de algum tipo de medo; é puro respeito. O animal, que mais parecia um chinelo marrom, me olhava fixamente. Em uma reação rápida, busquei uma saída estratégica, mas esbarrei na porta trancada. Pensei em sair pela janela, mas lembrei que aquele animal poderia aterrorizar a população do planeta. Fazendo-me valer de minha coragem incontestável, resolvi enfrentar o monstro que permanecia estático no canto do quarto. Decidi me precaver e busquei a vassoura a qual fui apresentado logo em minha entrada. Encontrei metade dela (a outra parte voou pela janela). Com a agilidade de um ninja, peguei o pedaço que avistei (para minha sorte, o que tinha a piaçava) e me posicionei diante do animal, evidentemente a uma distância segura. Olhando no olho do bicho, armei-me em posição de ataque. Neste instante, ouvi o rosnado daquela criatura. O arrepio tomou conta de meu corpo novamente e, antes que eu pudesse colocar em prática a estratégia, a barata decolou em minha direção. Pego de surpresa, joguei o cotoco de vassoura pro alto e me atirei no chão, Senti aquele troço passar rente à minha cabeça, sobrevoando o local. Parecia um boing 747. A criatura grudou na parede, como se fosse um quadro de bronze. Procurei o que restava da vassoura e não avistei. Ainda deitado e meio me fingindo de morto (uma técnica milenar que utilizo em alguns momentos críticos), procurei encontrar algo que pudesse me auxiliar naquele embate. O ideal seria um lança-chamas ou um morteiro, mas o que encontrei mais próximo de mim foi um jarro de flores (tinha a cama, mas achei que estava meio longe). Rastejando lentamente pelo chão, aproximei-me do jarro e, com uma velocidade espantosa, arremessei o objeto na direção do terrível animal. O que se seguiu foi inacreditável: a barata se empinou, matou o jarro nos peitos e emendou de volta. A reação daquele bicho traiçoeiro me surpreendeu tanto que não tive tempo de me proteger. A última visão que tive do jarro foi a cerca de uns dois dedos da minha cara. Confesso que não ouvi o barulho, mas os cacos daquele negócio ficaram dias grudados na minha máscara (com o impacto inevitável, engoli um dos caninos).
Após o contragolpe daquele animal medonho, não tive dúvidas: a coisa era realmente séria. Lentamente, a barata gigante foi descendo. O barulho das patas arrastando pela parede me fez pensar em abandonar de vez o local, mas eu não poderia deixar a humanidade ficar à mercê daquela criatura. De repente, ouvi um barulho no trinco da porta. Senti que aquele poderia ser um momento importante, como a chegada de um aliado, e gritei: Abre logo, porra! Lá de fora veio o diálogo: “Desculpe, dona Solange, mas além da barata tem mais alguém lá dentro?, perguntou uma voz com sotaque nordestino. “Claro que não, Severino! Entra logo aí e mata a danada!”, foi a resposta. Neste instante, me aproximei da maçaneta para dar uma ajuda ao moço, porém, quando estava em frente à porta, a mesma se abriu. Mal tive tempo de abrir a boca: fui ganhando vassourada de tudo que era jeito. O povo gritava: “Mata! Mata!”. Uma velha berrou: A bicha é vermelha! Pau nela!”. Fui levando porrada de tudo que era jeito até eu despencar pela janela. A queda foi rápida, coisa de dois segundos. Pra minha sorte, bati num toldo (que veio junto) e numa árvore (o que amorteceu o estabaco), até cair em cima da barraca de um gordão que vendia pamonha. Meio avariado, tentava me levantar quando ouvi aquela velha safada gritar: “A barata ainda está se mexendo! Taca fogo! Foi aí que, retirando forças nem sei de onde, me levantei e, mesmo todo arrebentado, saí correndo, ferido, porém vivo.