Frei Natanael era um cara legal, zeloso com suas obrigações à frente da igreja. Tirando a bolada no saco, só um episódio fez com que se afastasse temporariamente de suas funções como líder religioso da comunidade quissamanduquense. Foi um episódio até hoje comentado na cidade.
Certo dia, Paulinho Pinga Pura chegou em casa e viu sua mãe estirada no chão da sala. A bicha estava imóvel e não respirava. Imediatamente, o desespero tomou conta daquele inocente menino. Logo a vizinhança correu para acudi-lo e se deparou com a dramática cena. Após alguns segundos de atendimento, o doutor Alípio deu a trágica notícia: “Já era!”.
A comoção tomou conta de Quissamanduca. A população se uniu e descolou um caixão (como já tinha sido usado em outra ocasião, precisou de uma pequena reforma). Uma hora depois, estávamos todos no salão da igreja velando a pobre dona Calibrina, também carinhosamente chamada de Branquinha.
Emocionado, Frei Natanael proferiu lindo sermão, lembrando quando dona Calibrina era apenas uma criança e, de traquinagem, roubava as garrafas de cachaça dos despachos de macumba pra beber escondida atrás da igreja. Amparado pelos fiéis, o frei foi conduzido a uma cadeira para se recuperar e, com seu puído lenço de papel (ele usava o mesmo há anos), enxugava as lágrimas de seu rosto enrugado. Neste momento, a beata Salu se aproximou do caixão para se despedir da velha amiga. Foi nessa hora que, dando um pulo, dona Calibrina sentou-se, agarrou Salu pela cabeça e, a menos de um palmo de distância, sussurrou algo indecifrável. O que se viu em seguida foi uma loucura. Uma gritaria e uma correria só. Até dona Emerenciana, uma senhora de 112 anos que há mais de 30 só se locomovia em cadeiras de rodas, disparou feito uma doida e varou a janela do salão da igreja. Frei Natanael, que foi o primeiro a se mandar, voltou à cidade somente seis meses depois (dizem que ele chegou correndo à Cumbuquinha Feliz, cidade que fica a 100 km de Quissamanduca).
A ressurreição de dona Calibrina, no entanto, nada mais foi do que a recuperação de uma síncope etílica, decorrente do porre fenomenal que ela tomou depois do almoço. Na realidade, a velha desmaiara e, como o doutor Alípio era surdo, não ouviu os batimentos cardíacos da mãe do meu querido amigo Paulinho.
Mas esse dia estava fadado mesmo a acabar de forma trágica. Depois de todo o fuzuê com a imaginada morte de Calibrina é que se pôde perceber que beata Salu era única pessoa que permanecera no salão. Estirada no chão como uma ripa, a pobre estava morta de verdade. Todos se entreolharam e comentaram: “Morreu de susto, morreu de susto!". Como o caixão estava lá de bobeira, neguinho aproveitou e enfiou a coitada no já castigado paletó de madeira. Três dias de luto em Quissamanduca e bandeira a meio pau.
Na outra semana, chegou o laudo da autópsia (demorou porque o laboratório mais próximo ficava em Santa Lourdes do Piriri, a 732 km de Quissa). O resultado chocou os cidadãos quissamanduquenses. Não foi ataque cardíaco o que tirou beata Salu do nosso agradável convívio. Na realidade, ela morreu sufocada. E a causa foi o bafo desferido por Calibrina ao acordar do coma etílico.
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