segunda-feira, 17 de março de 2008

Capítulo 10: Montes Tículos, a Morada da Sabedoria

Para que conheçam a fundo toda a saga do verdadeiro Spider-Man, é necessário que entendam antes os elementos que me tornaram este ser tão especial. Meu poder não se restringe somente à força, agilidade e ao charme irresistível. Tudo isso de nada adiantaria se não possuísse uma extraordinária capacidade intelectual e intuitiva, adquirida através de meus periódicos retiros espirituais em Montes Tículos, situados na região setentrional de Madagascar

Meus momentos de reflexão ocorrem no Convento dos Capuchinhos Alienígenas ou, em casos mais extremos, no pico mais alto dos Montes Tículos. É justamente para lá que sigo quando preciso me preparar para as missões mais árduas e perigosas.

Lembro-me bem de uma ocasião em que tive de tirar um mendigo chamado Ventania de dentro de um fusca velho (ele dormia no carro e, como as portas e os vidros emperraram, não conseguia sair, respirando por intermédio de um canudinho). O veículo (um modelo que deve ter sido produzido no ano 12, Antes de Cristo), era para ser branco, mas ficara verde de tanto lodo (a população carinhosamente chamava o carrinho de “Floresta da Tijuca”, em homenagem ao bairro da Zona Norte do Rio, ou “Grilomóvel”). O problema, entretanto, não era o resgate propriamente dito, e sim o que emanava de Ventania que, segundo informações de antigos moradores tijucanos, tomara seu último banho em meados dos anos 90.

Como tinha ciência de que a atividade que me esperava seria hercúlea, parti para um período de alguns dias de reclusão (o mendigo que segurasse a onda dele e aguardasse). Monge Nésio, autoridade máxima entre os Capuchinhos Alienígenas, me aconselhou a subir e fazer a meditação grau 10, considerada polimultiarquisuperhiper eficaz para casos como este. Inicialmente, tive de subir, durante três dias e três noites, o Pico Ledemanga, o mais alto e gélido de toda a região. Após chegar ao cume, precisei completar minha segunda tarefa: encontrar um montinho de urtiga e uma margarida (impressionante, apesar da temperatura havia vegetação no local). Conseguindo o objetivo, tive de tirar toda a roupa, sentar nu sobre o chumaço de urtiga e, sempre segurando com a mão direita a cândida flor, mentalizar o nome dos participantes de todas as edições do Big Brother Brasil. Após seis horas na mesma posição (a tarefa exigia somente 10 minutos, mas eu congelei e tive muitas dificuldades para me levantar), encerrei meu propósito e retornei à amada Cidade Maravilhosa, para salvar Ventania.

Sentindo-me imbatível (mas com a bunda em estado lamentável), me postei em frente à porta do carona e olhei para o interior do fusca. A imagem que visualizei era dramática: a expressão petrificada do mendigo, com o rosto colado ao vidro, nariz achatado e a boca aberta, deixando à mostra seus três dentes (um tinha só a metade). Revitalizado pelo meu período em Montes Tículos, me aproximei da lateral do carro verde e, fazendo-me valer de toda minha força, puxei a porta de uma só vez. Fui parar no outro quarteirão, pois a maçaneta estava podre e parti para uma rápida viagem de uns 300 metros (felizmente havia um caminhão de lixo que impediu que eu caísse na Baía de Guanabara). De volta, fui para o outro lado do veículo e, com muita destreza, dei uma porrada no vidro da porta do lado do motorista. Foi exatamente neste instante que todo o ar engarrafado há dias no interior daquele que um dia já foi um meio de transporte veio em minha direção, assim como Ventania que, desesperado, se pendurou no meu pescoço, me fazendo cair dentro do fusca. Se existe algo que eu pudesse comparar com aquele ambiente no automóvel, é um pântano repleto de carniça.

Aliás, não era somente Ventania que habitava aquele carro; havia um cachorro meio vermelho, meio marrom, meio verde (conseqüência do lodo e, certamente, do bafo e do chulé do mendigo), que atendia pelo nome de Lord. A expressão do cãozinho dava dó: o bicho tava magro, tinha uns dois ou três dentes a mais que Ventania e parecia assustado. Inclusive, ao me ver sendo puxado para dentro do fusca, Lord se desesperou e deixou escapar um punzinho que, somado ao cheiro inacreditável que insistia em permanecer no ambiente, me fez perder os sentidos por alguns instantes. Depois de uns segundos desacordado (tenho a nítida impressão de que vi Jesus), me recuperei e, com muito esforço, consegui segurar o lado externo da porta com o braço esquerdo e com o direito lançar o cachorro fedorento para fora. A partir daí éramos somente Ventania e eu. Sob os gritos do povo que, por causa do cheiro, queria que incinerassem o fusca (comigo dentro), me atraquei com o pinguço para poder sair do carro e não ser queimado vivo lá dentro. Confesso que estava com alguma dificuldade para me livrar daquela situação, até que, inadvertidamente, Ventania encaixou sua axila direita na minha cara, mais propriamente colada à minha região nasal. Com lágrimas nos olhos, retirei força do além (e de um pouco mais adiante) e consegui me atirar janela afora, juntamente com aquela criatura, que parecia estar em avançado estado de putrefação. Já sem a presença da multidão (que fugira por causa da catinga que embaçou Tijuca por uma semana) e impossibilitado de usar alguns de meus poderes de Spider (ao me atracar com o mendigo, minhas teias enrolaram e entupiram o buraquinho nos pulsos), me levantei do chão e, cambaleante (ainda sob o efeito do futum atômico), peguei o 489 (Tijuca-Santa Cruz), retornando para casa. Para me livrar do aroma que tomou conta do meu ser, antes de ir para meu aconchegante lar, fui à "Lavanderia Laudrolava Self-Service Você Mesmo", comprei logo cinco fichinhas e mergulhei na primeira máquina de lavar disponível para que esta difícil missão permanecesse somente na minha memória.

Um comentário:

Patricia disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!
Valeu a espera!!!!!!
Gu, é impossível fazer comentários de detálhes específicos, pois TUDO é MUITO engraçado demais!!!!
Mas Montes Tículos? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!
Sentar nu sobre o chumaço de urtiga??? Mas peraí... segurando a florzinha!!!!
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!
O mendigo com o rosto colado no vidro com nariz achatado e a boca aberta... hahahahaha.... E não é suficiente os três dentes, um tinha só a metade??
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!!!
Pra completar o pobre cão!!!!
Gu... Haja imaginação!!!!
MUITO ENGRAÇADO!!!!